O regresso de Donald Trump à Casa Branca dominou a evolução dos ativos cotados nos mercados durante o primeiro trimestre. Já era esta a expectativa, mas a magnitude do impacto acabou por surpreender, sobretudo porque a turbulência gerada pelas medidas anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos provocou uma fuga de investimento da bolsa norte-americana para outras regiões.
Nos primeiros dias após a tomada de posse de Trump, ainda imperava o otimismo nos mercados e os índice norte-americanos renovaram máximos históricos depois de dois anos de ganhos extraordinários superiores a 20%. Os investidores continuavam confiantes com a manutenção de uma evolução robusta da economia norte-americana, o desempenho excecional das grandes tecnológicas e, sobretudo, uma estratégia de tarifas alfandegárias branda por parte dos Estados Unidos.
Contudo, saíram goradas as expectativas de que Trump iria utilizar a ameaça das tarifas como uma arma negocial para ganhar contrapartidas junto dos parceiros comerciais. O presidente dos Estados Unidos concretizou a implementação de taxas sobre os vizinhos México e Canadá, agravou as tarifas sobre a China e apontou baterias à Europa, não só na política comercial, mas também na defesa da Ucrânia.
As tarifas recíprocas anunciadas a 2 de abril foram bem mais agressivas do que o esperado, com taxas alfandegárias mínimas de 10% sobre mais de 180 países, sendo que para alguns países são bem mais acentuadas (20% para a União Europeia, 54% para a China e 24% para o Japão). As tarifas de 25% sobre os automóveis importados já estão em vigor e há ainda uma lista alargada de produtos (chips, produtos farmacêuticos, metais, etc.) que também serão alvo de taxas específicas.
As últimas semanas foram marcadas pela incerteza e turbulência, que afastaram os investidores dos ativos de risco e penalizaram sobretudo as ações norte-americanas e o dólar. Um movimento que foi agravado pelos sinais de debilidade da economia dos Estados Unidos, exacerbando os receios de recessão na maior economia do mundo numa altura em que a inflação ainda elevada impede a Fed de baixar os juros.
Face aos máximos alcançados em meados de fevereiro, o S&P500 acumulou uma queda superior a 10% no espaço de um mês, deixando o índice de ações norte-americanas em território de correção. Uma inversão extrema de tendência que reflete as expectativas de fim do excecionalismo dos Estados Unidos e o impacto negativo mais acentuado para o país com as medidas protecionistas de Donald Trump. Até porque o presidente dos EUA está a focar a sua política nas tarifas, deixando de lado (para já) as medidas de estímulo à economia (cortes de impostos e desregulação) que deixaram os investidores otimistas após as eleições de novembro.
Ações europeias recuperam terreno
O S&P500 fechou o primeiro trimestre com um saldo negativo de 4,3%, o que representa o pior desempenho desde 2022. As cotadas norte-americanas sofreram uma perda de valor superior a 5 biliões de dólares, num movimento que foi liderado pelas Sete Magníficas, com o grupo das maiores tecnológicas norte-americanas a registar uma acentuada desvalorização de 16% desde o início do ano.
Ao contrário do que eram as expectativas de muitos analistas, as ações europeias conseguiram um desempenho favorável no primeiro trimestre, apesar das tarifas de Trump representarem uma ameaça à evolução débil da economia. O Stoxx600 fechou o primeiro trimestre com um saldo positivo de 5,9%, num desempenho que não é mais brilhante porque o índice europeu corrigiu perto de 6% desde o recorde alcançado no início de março.
O setor da banca (que valorizou 23,3%) e as empresas de defesa destacaram-se pela positiva, enquanto a nível nacional foram vários os índices que conseguiram uma valorização trimestral de dois dígitos. É o caso das bolsas da Alemanha, Itália e Espanha, sendo que em Portugal o PSI ficou-se por uma subida de 7,7%. A queda acentuada das ações da EDP Renováveis (-23,1%) limitou o impacto positivo das valorizações dos CTT (38,5%), Nos (32,3%) e BCP (19,9%).
Comparando com a prestação de Wall Street, a evolução das ações europeias é ainda mais notável. Medida em dólares, a diferença entre a variação do Stoxx600 e o S&P500 no primeiro trimestre é de 17 pontos percentuais com vantagem para o índice europeu. Trata-se do melhor desempenho relativo das ações europeias este século, quebrando com a tradição nos últimos anos de andar atrás das pares norte-americanas.
Desde o arranque de 2023 que as bolsas europeias não conseguiam um trimestre com desempenho superior a Wall Street. É preciso recuar ao último trimestre de 2012 para encontrar um período de três meses em que as ações europeias valorizam e a pares norte-americanas acumulam perdas. Comprovando que o primeiro trimestre fica marcado por uma rotação de investimento dos EUA para outras regiões, a diferença entre o S&P500 e o índice de ações mundiais foi a mais alargada desde 2009.
São vários os fatores que justificam esta prestação positiva das ações europeias face às congéneres dos Estados Unidos, sendo que estes são os três mais relevantes:
- Se as ações norte-americanas fecharam 2024 com avaliações elevadas, os múltiplos das cotadas europeias iniciaram o ano em níveis muito atrativos. Depois de anos a apostar forte em Wall Street, muitos investidores decidiram aumentar a exposição das suas carteiras aos ativos europeus, considerando que estavam baratos tendo em conta a perspetiva de recuperação da economia e resultados das empresas.
- A mudança radical na Alemanha e países europeus na gestão orçamental foi fundamental para reforçar a atratividade das ações europeias. O posicionamento dos Estados Unidos, que aponta para o fim da parceria histórica entre as regiões dos dois lados do Atlântico, teve o condão de “acordar” os países europeus para a necessidade de reforçar o investimento em defesa. A Alemanha foi célere a abandonar a rigorosa disciplina orçamental que marcou os últimos anos, tendo já aprovado uma bazuca que poderá injetar mais de 1 bilião de euros na maior economia europeia.
- O Banco Central Europeu já baixou os juros por seis vezes (1,5 pontos percentuais) desde os máximos do ano passado (4%) e a tendência descendente da inflação dá margem para continuar a aliviar a política monetária. O banco central da Zona Euro está refém do impacto das tarifas de Trump, mas esta descida dos custos de financiamento representa um fator favorável para a evolução da economia europeia.
China, ouro e obrigações em alta
As ações europeias não foram as únicas a brilhar no primeiro trimestre. Destaque sobretudo para a bolsa chinesa, que foi a que mais se destacou desde o início do ano, imune para já às tarifas de Trump. O índice Hang Seng (Hong Kong) disparou 16,1% em 2025, beneficiando da onda de estímulos orçamentais e monetários anunciados pelas autoridades em Pequim, mas sobretudo do avanço das tecnológicas chinesas na Inteligência Artificial. A startup chinesa DeepSeek revelou em janeiro que tinha desenvolvido um modelo robusto e mais barato, o que fez mossa às tecnológicas norte-americanas e colocou as companhias chinesas atrativas para os investidores.
Na bolsa japonesa a tendência foi negativa (Nikkei recuou 9,9%), o que aliado ao desempenho negativo de Wall Street, mais do que anulou o avanço das ações mundiais. O índice MSCI Internacional ACWI desvalorizou 1,7% no primeiro trimestre, revertendo uma pequena parte dos ganhos robustos alcançados em 2024 (17,5%).
As políticas de Trump também tiveram um papel preponderante na evolução das outras classes de ativos. O ouro voltou a estar em grande destaque, com uma valorização de 19% em três meses que surge depois do disparo de 27% em 2024. No melhor trimestre desde 1986, o metal precioso registou 19 recordes diários este ano, sendo que o último foi já acima dos 3.100 dólares. Consolidou assim o estatuto de ativo de refúgio preferido perante a incerteza com o impacto das políticas de Trump, medo de recessão nos Estados Unidos e agravamento da turbulência geopolítica. Noutras matérias-primas destaque para o cobre (25%), enquanto o petróleo ficou estável (Brent subiu 0,1%).
As obrigações também foram procuradas pelos investidores como refúgio da instabilidade nas bolsas. As obrigações soberanas dos Estados Unidos renderam 2,9% no primeiro trimestre, rompendo com a tendência desde o início da pandemia de evolução em linha com as ações. Nas obrigações europeias o retorno foi negativo (-1,2%), com os investidores a exigirem um prémio mais elevado para financiar a Alemanha e outros países da Zona Euro devido ao impacto do reforço da despesa pública nos rácios de contas públicas (défice e dívida).
Depois de dois anos a dominar os ganhos no mercado cambial, o dólar registou um trimestre negativo, devido ao pessimismo com o impacto das tarifas e evolução fraca da economia. A moeda norte-americana perdeu terreno para todas as principais divisas mundiais, levando o índice do dólar (DXY) a recuar 3,9%. O euro valorizou 4,5% no trimestre, aproximando-se de 1,10 dólares, contrariando as expectativas que no início do ano apontavam de forma generalizada para a moeda única cair abaixo da paridade.
Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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