A economia mundial vai abrandar em 2024, a inflação continuará a aliviar dos máximos atingidos em 2022, os bancos centrais começam a baixar as taxas de juro, as empresas melhoram os resultados, as obrigações vão gerar retornos positivos, as ações marcam ganhos modestos e a volatilidade será elevada ao longo do ano.
Estas são as tendências mais consensuais entre os bancos de investimento e firmas de research que já publicaram os seus outlooks para o próximo ano. Previsões marcadas ainda por uma elevada incerteza e que diferem sobretudo na intensidade destas dinâmicas.
A economia global vai abrandar apenas ligeiramente, ou finalmente chegará a recessão que está a ser estimada desde 2022? A inflação vai descer tão rápido como escalou, ou ficará ainda longe da meta dos 2%? Os bancos centrais vão ser cautelosos a baixar os juros, ou responderão ao abrandamento da economia repetindo a agressividade que mostraram a apertar a política monetária?
As respostas a estas questões ditarão o desempenho dos ativos cotados e estão a condicionar as expectativas dos analistas para o próximo ano. Um abrandamento suave da economia acompanhado de uma descida acentuada da inflação é o cenário mais benigno, pois permitirá o alívio de juros, recuperação do poder de compra das famílias e melhoria nos resultados das empresas.
Uma travagem acentuada da economia em conjunto com a manutenção da inflação em níveis elevados é o cenário mais negro, pois significaria custos de financiamento agravados por mais tempo e pressão adicional sobre os orçamentos das famílias e lucros das empresas.
O mercado está atualmente a apostar sobretudo na evolução “cor-de-rosa”, em que uma degradação da atividade económica será compensada por uma descida de juros por parte dos bancos centrais. As bolsas mundiais caminham para fechar o ano com ganhos de dois dígitos, quase anulando as perdas muito acentuadas que sofreram em 2022.
As perspetivas da generalidade dos analistas para 2024 são contagiadas por este otimismo, embora moderado por uma série de alertas sobre as incertezas no comportamento dos ativos cotados no próximo ano. Ainda assim, o saldo é positivo, com os bancos de investimento a apontarem para ganhos modestos nas ações a nível global.
Uma sondagem da Reuters a mais de 100 especialistas aponta para valorizações contidas nos índices de ações mundiais em 2024, citando a expectativa de descidas de juros e melhoria nos resultados. A média das previsões aponta para o índice norte-americano S&P500 fechar o ano nos 4.700 pontos, o que representa um potencial de valorização de 3%. O índice europeu Stoxx600 é visto a fechar o ano nos 475 pontos, o que implica uma valorização de 3,5%.
De seguida está o resumo das perspetivas de 10 dos principais bancos de investimento globais para a evolução dos mercados em 2024.
Leia ainda: Os sinais dos investimentos de Warren Buffett
Morgan Stanley prevê ano com duas partes distintas
A cautela dos investidores com a evolução da economia vai penalizar os mercados acionistas globais no primeiro semestre de 2024, mas o início do alívio da política monetária em meados do ano vai abrir caminho para um forte desempenho das ações na segunda metade de 2024. A perspetiva é do Morgan Stanley, que contrasta com a visão sobretudo pessimista deste banco de investimento ao longo de 2023.
O Morgan Stanley estima que Fed e BCE vão começar a cortar juros em junho de 2024, recomendando que até lá os investidores permaneçam “seletivos e pacientes”, pois os riscos para a evolução da economia são elevados e os constrangimentos para a evolução dos resultados das empresas devem persistir no arranque de 2024. O banco de investimento espera um melhor desempenho das ações nos EUA face à Europa, embora com ganhos muito escassos em ambos os mercados (+3% no índice dos EUA e +1% no índice europeu). Tem uma visão mais otimista para o Japão, estimando que a Bolsa de Tóquio valorize 13%.
No que diz respeito a outros ativos, o banco está otimista com as obrigações, recomendando títulos de elevada qualidade (rating alto). Espera a descida da yield das obrigações a 10 anos dos EUA para 3,95% no final de 2024 e para 1,8% nos títulos da Alemanha. Nas matérias-primas a perspetiva é negativa, devido ao impacto do abrandamento da economia.
Leia ainda: Como a subida dos juros das obrigações penaliza as ações
UBS prevê ano positivo para ações e obrigações
O abrandamento da economia vai abrir caminho para uma descida das yields das obrigações em 2024, o que vai suportar uma evolução positiva das bolsas. “Vai ser um bom ano para os investidores colocarem o dinheiro em carteiras equilibradas, com perspetivas positivas para as ações, obrigações e investimentos alternativos”, escreve o UBS no seu outlook para os mercados em 2024, onde elege os títulos de dívida como a classe de ativos preferida. O banco de investimento elevou a recomendação das ações dos EUA para “neutral”, dando preferência ao setor tecnológico, estimando que o índice S&P500 termine 2024 nos 4.700 pontos (potencial de 4%).
O UBS assinala que os investidores têm de ser “mais criteriosos na seleção de ações”, pois várias companhias vão enfrentar o desafio duplo de pressão sobre as receitas e custos financeiros. O banco estima que a yield das obrigações dos EUA a 10 anos vai ceder até 3,5%, o que suportará um “rally moderado” nos índices acionistas globais à medida que os bancos centrais cortam as taxas de juro e as empresas de qualidade continuam a melhorar os seus resultados.
HSBC estima valorização de 10% nas ações mundiais
A perspetiva de que a Fed vai baixar as taxas de juro e conseguir impedir uma recessão na economia norte-americana deixa o HSBC otimista com a evolução das bolsas em 2024. O banco estima que o índice global FTSE All-World vai fechar o ano cerca de 10% acima dos níveis atuais, também suportado pela evolução positiva dos resultados das empresas.
O HSBC aposta sobretudo nas ações dos Estados Unidos e dos mercados emergentes, regiões onde as perspetivas de resultados das empresas são mais favoráveis. Recomenda empresas do setor tecnológico e fabricantes de produtos de consumo, avançando com uma recomendação positiva também para as companhias industriais.
O HSBC justifica a visão otimista para as bolsas com a crença de que a Fed conseguirá “orquestrar uma aterragem suave” da economia e com o desempenho histórico das ações quando este cenário se verificou. Nos anteriores ciclos de alívio da política monetária em que a economia escapou a uma recessão, o índice norte-americano S&P500 alcançou uma valorização média de 22% no período que dista a primeira pausa nos juros e seis meses após o primeiro corte. Se o HSBC estiver correto e a história se repetir, Wall Street pode gerar este retorno entre junho de 2023 e o final do próximo ano.
Leia ainda: “Vender em maio e ir embora” e outros adágios nas bolsas
Goldman Sachs prevê valorização modesta em Wall Street
O Goldman Sachs foi dos primeiros bancos de investimento a assumir uma abordagem otimista com a evolução da economia norte-americana, atribuindo uma probabilidade reduzida ao cenário de recessão. A visão mantém-se para 2024, com o banco a prever um crescimento económico acima das estimativas atuais do mercado, o que suportará uma evolução positiva dos índices acionistas em Wall Street. Prevê uma valorização de 6% do S&P500 em 2024 (incluindo dividendos), um desempenho modesto que reflete outros ventos contrários.
Como acredita que a economia dos Estados Unidos não vai abrandar como antecipa a generalidade dos analistas, o Goldman Sachs estima que a Fed só vai reduzir as taxas de juro no quarto trimestre do próximo ano. Além disso, o banco de investimento assinala que as ações norte-americanas já negoceiam com avaliações bem acima da média, o que limita o potencial de valorização. Os ganhos em Wall Street estarão concentrados na segunda metade do ano e as grandes tecnológicas vão continuar a registar um desempenho superior, embora por uma margem mais escassa, o que coloca em causa a relação risco/retorno.
Com os juros a permanecerem elevados, o Goldman antecipa que os títulos de dívida de curto prazo (cash) vão continuar a ser uma alternativa competitiva às ações, tendo em conta a taxa de juro livre de risco de 5%.
Bank of America estima máximos históricos em Wall Street
O alívio gradual da inflação a nível global vai permitir que os bancos centrais comecem a reduzir as taxas de juro no segundo semestre, o que impedirá uma recessão na economia mundial. Segundo o Bank of America, a aterragem suave da economia vai suportar a evolução positiva das bolsas, levando o índice S&P500 aos 5.000 pontos, o que representa um máximo histórico e um ganho em torno de 10% face aos níveis atuais. O otimismo também é suportado pela ideia de que as empresas já se adaptaram aos juros mais elevados e vão conseguir aumentar os lucros em 2024 apesar do crescimento económico mais débil.
O Bank of America tem uma perspetiva menos positiva para as obrigações norte-americanas em 2024 face a outros bancos, estimando que a yield dos títulos a 10 anos permaneça em níveis elevados, sobretudo devido à deterioração das contas públicas nos Estados Unidos. Nas matérias-primas o banco estima que o Brent negociará numa média de 90 dólares por barril, uma vez que o corte de juros da Fed suportará o aumento do consumo nos mercados emergentes. Contudo, alerta que uma recessão, aumento mais forte da oferta nos EUA e divisão entre os membros da OPEP são riscos que podem pressionar em baixa os preços do petróleo.
Deutsche Bank prevê recordes nos EUA e Europa apesar de recessão
Apesar das perspetivas sombrias para a economia global, o Deutsche Bank é dos mais otimistas para a evolução das bolsas no próximo ano. Vê o norte-americano S&P500 fechar 2024 nos 5.100 pontos (potencial de 12%) e o europeu Stoxx600 alcançar os 510 pontos (potencial de 11%), o que representa máximos históricos para os dois índices. Um desempenho muito favorável tendo em conta que o Deutsche Bank antecipa um crescimento de apenas 2,4% no PIB mundial em 2024, o que é visto como sendo uma recessão global. O banco prevê uma recessão ligeira nos EUA no primeiro semestre e a persistência da estagnação económica na Zona Euro, com o PIB a crescer apenas 0,2% e a Alemanha em contração (-0,2%) em 2024.
O otimismo do banco alemão está relacionado com a resposta que espera ser dada pelos bancos centrais. Estima que a Fed reduza a taxa de juro em 175 pontos base no próximo ano, bem mais do que o consenso do mercado. No caso do BCE, os cortes devem começar em junho, num total de 100 pontos base até dezembro. O alívio dos custos financeiros contribuirá para impulsionar os resultados das empresas nos dois lados do Atlântico, levando o Deutsche Bank a concluir que as ações não estão a negociar com avaliações elevadas tendo em conta estas perspetivas favoráveis.
O banco alemão está menos otimista para as obrigações, prevendo que a yield das obrigações a 10 anos da Alemanha fique estável em 2,6% e a taxa dos títulos dos EUA desça apenas para 4,05%. As perspetivas para o petróleo também são sombrias, mas o banco alemão manteve o target de 90 dólares para o Brent devido aos riscos de intervenção da OPEP.
Leia ainda: Descodificar a linguagem dos bancos centrais
Barclays prefere ações a obrigações
Numa perspetiva pouco consensual entre os analistas, o Barclays está mais otimista para a evolução das ações em 2024, face ao desempenho das obrigações. O banco de investimento britânico estima valorizações entre 5% a 10% para as bolsas europeias e norte-americanas, que vão beneficiar com o abrandamento suave da economia global. Antecipa que a maior economia do mundo vai surpreender pela positiva, num fim de ciclo benigno para as bolsas, apesar de assinalar que as atuais previsões para os resultados das cotadas dos Estados Unidos “parecem otimistas”.
No que diz respeito aos títulos de dívida, prevê que as yields permaneçam em níveis elevados, uma vez que a inflação deverá abrandar a um ritmo que não será suficiente para motivar um alívio considerável da política monetária. O banco até admite que a Fed não mexa nos juros durante todo o ano, pois estima que a inflação nos Estados Unidos vai fechar o ano em 2,8%. Apesar de admitir que as ações “não estão baratas”, realça que os lucros das empresas norte-americanas devem crescer acima de 10% e as obrigações devem ser penalizadas pela degradação dos indicadores orçamentais das principais economias.
Société Générale recomenda ações dos EUA
A evolução dos mercados em 2024 deverá ser “tudo menos tranquila”, com os investidores a enfrentarem um abrandamento económico, selloff no crédito e continuação da redução do balanço dos bancos centrais (quantitative tightening). Contudo, o Société Générale estima que o balanço no final será positivo para o mercado de ações, com o S&P500 a atingir os 4.750 pontos (5% acima dos níveis atuais) em dezembro, ficando assim muito perto do máximo histórico fixado em janeiro de 2022 (4.796 pontos).
O banco de investimento francês antevê um primeiro semestre difícil, com o índice norte-americano a recuar cerca de 8% até junho devido ao impacto da recessão curta e ligeira na economia norte-americana, o que abrirá oportunidades de compra devido ao corte de juros da Fed (150 pontos base em 2024) e melhoria nos resultados das empresas. O Société Générale atribui preferência ao mercado de ações dos EUA e recomenda que os investidores diversifiquem as suas carteiras para ganhar proteção face a potenciais turbulências nos mercados. Sugere, por isso, a aposta em obrigações de empresas com rating elevado.
JPMorgan pessimista para as bolsas europeias
Os analistas do JPMorgan têm sido dos mais pessimistas para a evolução dos mercados acionistas, mantendo uma perspetiva sombria para 2024. Marko Kolanovic errou na aposta na queda de Wall Street em 2023, mas mantém a visão negativa para as ações norte-americanas no próximo ano. Mislav Matejka, também do JPMorgan, antevê uma desvalorização de 2% nas ações europeias em 2024, com uma primeira metade de ano difícil devido ao cenário macroeconómico “desafiante”. O pessimismo é mais evidente para os bancos europeus, com o JPMorgan a recomendar a aposta na queda das ações (short selling) do setor financeiro devido ao impacto que a redução de juros do BCE e o aumento do crédito malparado terá na rentabilidade.
Numa visão mais global, a JPMorgan AM (gestora de ativos do banco) assinala que as ações “não estão caras, mas também não estão baratas”, sobretudo comparando com outros ativos (como obrigações de empresas) e tendo em conta as perspetivas “mais cautelosas” para a evolução dos resultados das companhias. Mostra preocupação com a evolução das margens de lucro, uma vez que as expectativas são elevadas e as empresas deverão perder poder de fixação de preços devido ao enfraquecimento da procura dos consumidores.
No contexto em que os investidores não querem reduzir a exposição às ações, a JPMorgan AM recomenda cotadas de qualidade, com balanços robustos e histórico de retornos atrativos. Além das obrigações, a gestora sugere matérias-primas para proteger as carteiras dos investidores perante desenvolvimentos negativos para as ações.
Citigroup otimista com resultados nos EUA
O Citigroup ainda não publicou o seu outlook para 2024, mas o banco de investimento norte-americano tem uma visão benigna para a evolução das bolsas, sobretudo em Wall Street. Apesar dos economistas do banco anteciparem uma recessão nos EUA (quebras do PIB no segundo e no terceiro trimestre), os analistas estão confiantes que as condições económicas mais adversas não vão afetar os resultas das empresas, prevendo um crescimento de 11% nos lucros das cotadas do S&P500.
Em julho, o Citigroup elevou o target do S&P500 em meados de 2024 para 5.000 pontos, sendo dos primeiros bancos de investimento a antecipar máximos históricos em Wall Street no próximo ano. Esta visão para a evolução dos resultados mostra que o banco continua otimista para as ações, assinalando que o número de empresas a aumentar os lucros em 2024 deverá atingir um máximo de 20 anos. “Se os fundamentais das empresas continuarem resilientes, os investidores devem aproveitar correções para comprar”, recomenda o Citigroup.
Leia ainda: 10 termos em inglês que tem de conhecer para acompanhar os mercados
Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
Deixe o seu comentário