Investimentos

Cinco nuvens negras que ameaçam o bom tempo nas bolsas

Para que os ventos continuem a soprar de forma favorável nos mercados acionistas, têm de ser dissipadas várias nuvens negras.

O primeiro semestre gerou retornos nos mercados acionistas globais que poucos investidores e analistas conseguiram antecipar corretamente no início do ano. Depois de um 2022 muito negativo para os investidores em ações, a primeira metade de 2023 foi suficiente para recuperar grande parte do terreno perdido no ano passado.

Inflação elevada, subidas agressivas de juros, tensões geopolíticas, crise na banca dos Estados Unidos, colapso do Credit Suisse, abrandamento da economia global e desilusão com a reabertura da China. A lista dos fatores com impacto negativo para as bolsas é extensa e relevante, mas não foi suficiente para travar a alta dos principais índices acionistas mundiais.  

O MSCI World, índice que mede o desempenho de 23 mercados desenvolvidos, alcançou uma valorização de 15,4% no primeiro semestre deste ano, recuperando parte da desvalorização de 17,7% sofrida em 2022. Nos mercados emergentes, o desempenho foi mais modesto, com o MSCI EM a valorizar 5,1% (-19,7% em 2022), penalizado pelo retorno negativo das ações chinesas.

Nos mercados desenvolvidos, os ganhos foram generalizados, com destaques em três continentes. O Nikkei disparou 29% para máximos de mais de 30 anos, com a bolsa japonesa a romper com a apatia dos últimos anos. Nos Estados Unidos, o índice generalista S&P500 subiu 17% e o tecnológico Nasdaq disparou mais de 30%, no melhor primeiro semestre em 40 anos.

Na Europa, os índices das bolsas de Itália, Grécia e Irlanda alcançaram ganhos acima de 20%, enquanto a maioria conseguiu valorizações de dois dígitos. O português PSI destoou, com um ganho de apenas 3%, depois de em 2022 ter contrariado as perdas generalizadas e acentuadas das bolsas mundiais.     

O bom desempenho das bolsas na primeira metade do ano tem várias justificações, mas assenta sobretudo na inversão da tendência de alta da inflação e resiliência da economia mundial. Dito de outra forma, o alívio na subida dos preços gerou expectativas de fim de ciclo no agravamento da política monetária e a tão esperada recessão mundial, afinal, (ainda) não chegou.

A chegada em força da inteligência artificial teve um papel fundamental no desempenho das bolsas, sobretudo nos Estados Unidos, onde um escasso número de empresas tecnológicas é responsável pela quase totalidade dos ganhos.

As estatísticas estão a favor da continuação da tendência positiva das bolsas na segunda metade do ano. Desde 1950, sempre que o S&P500 valoriza mais de 10% nos primeiros seis meses do ano, em média valoriza 10% no segundo semestre.

Ainda assim, muitos analistas estão mais pessimistas com a evolução das ações, assinalando uma série de nuvens negras que continuam a pairar sobre os mercados acionistas. Cinco delas estão detalhados de seguida:

1 - Inflação continua elevada

Há quase dois anos que os mercados (acionistas e não só) têm estado reféns da evolução da inflação e tudo indica que a tendência permaneça nos próximos meses. O índice que mede a evolução dos preços que são pagos pelos consumidores começou a disparar ainda em 2021 e só parou no final do ano passado, tendo aliviado nos últimos meses.

Os bancos centrais começaram, em 2021, por classificar o movimento de alta da inflação como transitório. Mudaram de ideias no início de 2022, iniciando o ciclo de agravamento de juros mais agressivo das últimas décadas. Agora que a inflação está a aliviar, os bancos centrais continuam a subir os juros, sinalizando que as taxas de juro vão continuar em níveis restritivos para a economia.

Depois de terem falhado claramente quando a inflação começou a subir, os bancos centrais estão agora irredutíveis, preferindo errar por excesso do que permitir que a inflação permaneça descontrolada. Olhando para os números, é fácil perceber esta postura inflexível das autoridades monetárias, sobretudo o Banco Central Europeu, Reserva Federal (Fed) e Banco de Inglaterra.

A inflação na Zona Euro desceu em junho para 5,5%, o nível mais baixo desde janeiro de 2022 e já quase metade do máximo fixado em outubro (10,6%). Contudo, os preços continuam a subir a um ritmo muito superior à meta do BCE (2%). Além disso, a inflação subjacente, que exclui alimentos e energia, está a aliviar a um ritmo bem mais lento.

É por isso que o BCE e a Fed devem subir os juros (pelo menos) mais duas vezes este ano. No Reino Unido, a inflação teima persistir em níveis bem mais elevados, pelo que o Banco de Inglaterra deverá continuar a subir os juros em 2024.

Ou seja, a tão ansiada inversão da política monetária ainda não está no horizonte de curto prazo. Será necessário que a inflação acentue o movimento descendente para que a descida de juros seja uma certeza. Até tal acontecer, os mercados acionistas devem continuar pressionados.    

2 - Economia global abranda

Apesar de não ter chegado a recessão económica global que, na segunda metade do ano passado, era dada como certa, os riscos ainda não estão dissipados e muitos analistas continuam a atribuir uma elevada probabilidade a este cenário mais sombrio para a economia global.

A determinação dos bancos centrais em combater a inflação elevada contribui para degradar as expectativas sobre a evolução da economia. Muitos economistas acreditam que os bancos centrais só sairão vitoriosos na luta contra a alta acentuada dos preços forçando uma contração da economia.  

Acresce que existe um desfasamento temporal entre as decisões de política monetária e os seus efeitos na economia. As últimas subidas de juros do BCE, Fed e Banco de Inglaterra, bem como as que serão anunciadas nos próximos meses, só deverão contribuir para restringir a atividade económica em 2024.

Apesar da notável resiliência à grave crise energética de 2022, a economia da Zona Euro já está em recessão técnica, após uma contração muito ligeira (-0,1%) do PIB no quarto trimestre de 2022 e igual desempenho nos primeiros três meses deste ano. Os indicadores avançados apontam para que a tendência de debilidade se tenha mantido no segundo trimestre, com o setor dos serviços a seguir o movimento de contração que já se verifica na indústria.

Nos Estados Unidos, o mercado de trabalho persiste muito robusto (mais de 200 mil novos postos de trabalho por mês), mas começam a ser mais evidentes os sinais de abrandamento da atividade, levando muitos economistas a adiar o início da recessão para o final deste ano. No Reino Unido, as perspetivas são mais sombrias, pois a elevada inflação deve prolongar as subidas de juros do Banco de Inglaterra até 2024.

Se o abrandamento da economia global se acentuar, sem que a inflação siga um movimento descendente mais intenso, os bancos centrais não vão hesitar em manter as taxas de juro em níveis elevados. Uma conjuntura que tem potencial para penalizar o sentimento dos investidores.

3 - China enfraquece

A China é um caso à parte na economia global. A reabertura do país na viragem do ano, com o fim das restrições relacionadas com a pandemia, levou muitos economistas a antecipar que o país iria contribuir de forma decisiva para contrariar o abrandamento da economia ocidental.

De facto, no primeiro trimestre de 2023, o PIB da China cresceu a um ritmo interessante (4,5%), mas desde então foram publicados dados dececionantes, que apontam já para uma travagem da segunda maior economia do mundo. Acresce que as reclamadas políticas de estímulos (monetários e orçamentais) por parte de Pequim teimam em não chegar.

O consumo das famílias persiste fraco, a indústria do país está em quebra e o setor imobiliário continua com problemas graves. Os dados da inflação referentes a junho ilustram a debilidade da economia chinesa, com uma procura interna e externa fraca e um excesso de oferta. O índice de preços no consumidor estagnou em termos homólogos e o índice de preços no produtor (mede a inflação às portas das fábricas) sofreu a maior quebra em sete anos (-5,4%).

A desilusão com a frágil recuperação da economia chinesa refletiu-se no desempenho da bolsa do país, que foi das poucas a nível mundial em terreno negativo no primeiro semestre. Afetou também as praças europeias, dada a elevada dependência de grandes cotadas do continente do mercado chinês. Os índices acionistas europeus lideraram os ganhos no primeiro trimestre, mas ficaram para trás nos três meses seguintes.

Se a evolução da economia chinesa continuar a degradar-se na segunda metade do ano, poderá ser um fator determinante para um desempenho negativo nos mercados acionistas globais. Com destaque para as produtoras de matérias-primas, que sofrerão o impacto da redução da procura na China. Setor automóvel e fabricantes de produtos de luxo também serão fustigados.    

4 - Resultados das empresas em queda

As empresas europeias e norte-americanas apresentaram resultados referentes ao primeiro trimestre acima do esperado, o que representou um importante suporte para o desempenho positivo das bolsas nos dois lados do Atlântico.

Os analistas estimavam uma queda nos lucros das cotadas do índice norte-americano S&P500 no primeiro trimestre, mas feitas as contas verificou-se um aumento de 0,1% (queda de 3,2% no quarto trimestre de 2022). As cotadas do índice europeu Stoxx600 aumentaram os lucros em 11,1% no primeiro trimestre, bem acima das estimativas dos analistas.

As perspetivas para os resultados do segundo trimestre, que começam a ser apresentados neste mês de julho, são bem mais sombrias. Segundo os dados recolhidos pela Refinitiv, os lucros do S&P500 devem baixar 5,7%, com as cotadas a serem pressionadas pela deterioração das margens. Para as empresas europeias as estimativas apontam para uma queda de 8,2% nos lucros, naquele que será o primeiro de quatro trimestres de variações negativas.

Os analistas têm vindo a rever em baixa as estimativas para os resultados das empresas, de modo a refletir o abrandamento da economia. Contudo, muitos analistas alertam que as previsões ainda são otimistas e não refletem as perspetivas de recessão na economia global.

As empresas norte-americanas negoceiam a cerca de 20 vezes os lucros estimados para os próximos 12 meses, o que representa um rácio acima da média histórica. Nas empresas europeias o múltiplo PER é mais modesto, situando-se em 12,4 vezes os lucros estimados, abaixo da média dos últimos 10 anos (14,4 vezes).

Se os resultados saírem abaixo do esperado e os analistas continuarem a rever as projeções em baixa, os múltiplos evidenciarão que as cotadas estão a negociar em níveis pouco atrativos, o que pode pressionar as cotações.

5 - Ganhos concentrados

Uma das principais debilidades que são apontadas ao rally das bolsas no primeiro semestre está relacionada com o escasso número de ações que são responsáveis pela escalada dos índices. A concentração dos fortes ganhos é particularmente evidente em Wall Street, onde as empresas tecnológicas têm um peso muito relevante nos índices.

A euforia relacionada com a inteligência artificial (IA) foi determinante para o bom desempenho das bolsas norte-americanas. O Nasdaq valorizou mais de 30% no primeiro semestre, o que representa o melhor registo em 40 anos. O mais abrangente S&P500 subiu mais de 15%, mas se o peso das 500 cotadas do índice fosse todo igual, a variação seria próxima de zero.

Esta evolução espelha o impacto das denominadas “Sete magníficas”, ou Big Seven, que registam fortes valorizações em 2023, conseguindo recuperar uma parte considerável do descalabro registado em 2022. Apple, Microsoft, Alphabet, Amazon, Meta Platforms, Nvidia e Tesla representam mais de um quarto do S&P500 e se não fossem contabilizados os ganhos superiores a 40% de cada uma delas, o índice teria ficado estável no primeiro semestre.

A Nvidia quase triplicou de valor desde o início do ano, juntando-se ao restrito clube de cotadas com uma capitalização bolsista acima de 1 bilião de dólares, uma vez que a fabricante de “chips” para a indústria da IA registou um forte crescimento dos resultados. A Apple valorizou mais de 50%, tornando-se na primeira cotada do mundo a atingir um valor de mercado de 3 biliões de dólares, mais do que a capitalização bolsista combinada das 100 maiores empresas britânicas (que integram o índice FTSE 100).

Apesar de a IA ter potencial para revolucionar a economia mundial e ter forte impacto no setor tecnológico, vários analistas alertam para a possibilidade de estar a ser formada uma bolha neste segmento, sobretudo por as cotações atuais refletirem um crescimento dos lucros que pode ser difícil de atingir.

Se o efeito da IA desvanecer e o impacto nos lucros futuros não corresponder às expectativas, os mercados acionistas globais podem sofrer um revés acentuado, mesmo que afete apenas um escasso número de cotadas.

Ventos favoráveis

Listadas estas cinco nuvens negras, bandeiras vermelhas, ou como quisermos chamar (várias outras poderiam juntar-se), também é preciso assinalar que, se estas ameaças não se materializarem, as bolsas têm espaço para continuar em alta no resto do ano, prosseguindo com o rally que tem marcado 2023.

Serão necessários que os ventos favoráveis soprem no mesmo sentido, desde logo que os bancos centrais vençam a batalha contra a inflação sem infligir danos consideráveis na economia. Uma recuperação da economia chinesa e os bons resultados das empresas também são essenciais para o bom desempenho das bolsas globais. Tal como a validação de que a IA representará uma revolução com impactos benignos na economia mundial, sobretudo ao nível dos ganhos de produtividade. Muitos economistas atribuem à IA a maior esperança de a economia global escapar a um período longo de estagnação do crescimento económico acompanhado de inflação elevada.

Leia ainda: Está a Arábia Saudita a perder a batalha dos preços do petróleo?

Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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