Investimentos

Estímulos da China dão mais brilho às bolsas

As ações mundiais voltaram a marcar ganhos robustos no terceiro trimestre. A China deu um novo fôlego às bolsas, mas existem riscos.

Os mercados acionistas globais concluíram mais um trimestre com desempenho muito positivo, reforçando os ganhos anuais já substanciais registados pela maioria dos índices. As bolsas continuam a beneficiar com um abrangente conjunto de fatores, a que nos últimos dias se juntou uma avalanche de medidas de estímulo à economia por parte das autoridades chinesas.

A bolsa chinesa tem sido o “patinho feio” dos mercados globais no último ano, com os investidores a fugirem dos ativos do país perante as evidências mais fortes de debilidade da segunda maior economia do mundo: crise do imobiliário sem fim à vista, elevado endividamento do setor público e privado, quebra de rendimentos que penalizam o consumo das famílias, ameaça de deflação e capacidade sobredimensionada da indústria.

Perante estas perspetivas cada vez mais sombrias para a economia chinesa, e com a meta de crescimento de 5% do PIB em 2024 em sérios riscos de não ser cumprida, Pequim avançou com uma série abrangente de iniciativas de política monetária e orçamental para inverter esta espiral negativa. Cortes de juros, alívio de restrições para compra de casas, financiamento facilitado para uma série de fins (até investir em ações), injeção de capital nos bancos, estímulos ao consumo e entrega direta de dinheiro às famílias mais pobres fazem parte deste pacote que mostra a determinação das autoridades em estimular a economia.

Há muito que era aguardado este pacote de estímulos abrangente e o timing de Pequim não é inocente. As autoridades chinesas esperaram pacientemente pelo início de corte de juros nos Estados Unidos, para assim não arriscar uma fuga de capitais adicional e pressão ainda maior sobre a moeda do país.

Apesar das dúvidas que permanecem sobre a eficácia das medidas para resolver os problemas da economia chinesa, muitos deles estruturais, os investidores deram uma resposta convincente, com uma onda de compras de ações na bolsa chinesa como não se assistia há 16 anos. Analistas e economistas, apesar de menos eufóricos, também reagiram de forma favorável, confiando que os estímulos serão (pelo menos) suficientes para travar o enfraquecimento da economia.

O CSI 300, índice que reúne as maiores empresas cotadas na China, atingiu um mínimo de cinco anos em meados de setembro, aprofundando as perdas registadas nos três anos anteriores. Após o anúncio das primeiras medidas de Pequim (23 de setembro), o índice trepou 20%. Na última das cinco sessões de forte alta, que antecedem um período de várias sessões sem negociação devido a feriados, o CSI 300 disparou perto de 9%, marcando a maior valorização diária desde 2008.

Esta subida épica deixou a bolsa chinesa com um saldo positivo de 16% no terceiro trimestre e de 17,1% em 2024. Mas há ainda um longo caminho a percorrer para o CSI 300 regressar aos máximos históricos fixados em fevereiro de 2021. O índice terá de subir 45% para lá chegar, dando argumentos aos otimistas para considerar que este rally veloz das ações chinesas ainda tem margem para ir mais além.

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Trimestre de novos máximos foi agitado

Nas bolsas do Ocidente os índices acionistas já estão a negociar em máximos históricos, mas o caminho tem sido atribulado, marcado por mais altos do que baixos e alterações súbitas nas perspetivas dos investidores. A evolução neste terceiro trimestre espelha da melhor forma o aumento da volatilidade nos mercados, o que contrasta com o ritmo bem mais tranquilo e de trajetória ascendente que se verificou na primeira metade do ano.

O terceiro trimestre começou com os índices a atingirem máximo históricos nos Estados Unidos, Europa e Japão. Apesar da China débil, a economia global estava resiliente, a inflação a acelerar a tendência de descida e os resultados das empresas a evoluir a bom ritmo, o que suportava a atratividade do investimento em ativos de risco como são as ações.

O anúncio de que a inflação dos EUA tinha subido inesperadamente em junho provocou a primeira correção significativa nas ações, pois ficou em causa a perspetiva de a Reserva Federal (Fed) baixar os juros em 2024. O relatório do emprego, referente a julho, acentuou o pessimismo, pois reacendeu os receios de que, afinal, a economia norte-americana estava a caminho de uma recessão. O mercado voltou a apostar forte nos cortes de juros da Fed, mas prevaleceu o sentimento negativo com a evolução da maior economia do mundo.

Para agravar a situação, o Banco do Japão anunciou uma inesperada subida de juros, o que em conjunto com os receios de recessão nos EUA, abriu caminho para uma forte valorização do iene e anulação repentina de operações de “carry trade”, em que os investidores obtêm financiamento na moeda japonesa para aplicar em ativos mais rentáveis.

A turbulência levou as bolsas mundiais a sofrerem quedas muito intensas (“sell off”) no início de agosto e a ações japonesas registaram mesmo um “crash”, com o índice Nikkei a registar a queda diária de maior dimensão desde 1987 (-12,4%). Viveram-se momentos de pânico, mas os mercados globais conseguiram recuperar paulatinamente à medida que eram publicados indicadores que mostravam que os receios de recessão iminente nos EUA eram claramente exagerados.

A decisão da Fed em iniciar o ciclo de alívio da política monetária com um pouco habitual corte de 50 pontos base fez os índices regressarem a máximos nos EUA e Europa. A tendência altista ganhou ainda mais fôlego após os estímulos na China, que beneficiam sobretudo as companhias europeias, mais expostas ao mercado deste país asiático.

O MSCI International ACWI, índice que agrupa o desempenho das principais empresas mundiais, valorizou 6,2% entre julho e setembro, marcando o quarto trimestre seguido de ganhos. Em 2024 acumula uma valorização de 17%, que surge depois de um ganho superior a 20% em 2023.

Na bolsa norte-americana as estatísticas também impressionam. Apesar de uma quebra de 8,5% entre meados de julho e 5 de agosto, o S&P500 conseguiu fechar o terceiro trimestre com um saldo positivo superior a 5%. O índice norte-americano valoriza mais de 20% desde o início de 2024, no melhor desempenho deste século tendo em conta períodos comparáveis.

O S&P500 já atingiu máximos históricos em mais de 40 sessões deste ano (média de um recorde a cada cinco sessões). Uma escalada que continua a ser alimentada sobretudo pelas tecnológicas, devido à euforia com a Inteligência Artificial, mas com uma tendência de alta bem mais generalizada do que se verificou em 2023.  

Apesar de toda a turbulência em agosto, o índice Nikkei fechou o trimestre com uma queda de apenas 4%, conservando uma valorização anual bem interessante (15,5%). Nas bolsas europeias, apesar de diversos índices estarem em máximos históricos, os ganhos são bem mais modestos. O Stoxx600 avançou 2% no trimestre e está a ganhar pouco menos de 10% em 2024.

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Riscos até ao final do ano

A menos que surja uma inversão dramática de sentimento, dificilmente as ações mundiais não marcarão um saldo anual bastante positivo no final do ano. Até porque a perspetiva de que a Fed e o BCE vão continuar a baixar juros é favorável à atratividade das ações. Contudo, são vários os riscos que pairam nos mercados e podem ameaçar a continuação da trajetória positiva das bolsas mundiais.

  • Recessão nos EUA. A vitalidade da economia norte-americana será fundamental para o rumo dos ativos cotados, em particular das ações. Caso os receios de recessão se confirmem, será difícil Wall Street continuar a acumular máximos. Mesmo que a Fed baixe os juros de forma mais agressiva.  
  • Resultados mais fracos. A evolução positiva dos resultados das empresas tem sido preponderante na alta das bolsas, mas a fasquia está cada vez mais alta, o que reduz a margem para surpresas positivas. Se os lucros do terceiro trimestre ficarem aquém do previsto, sobretudo no setor tecnológico, pode abrir caminho para uma correção nas bolsas.    
  • China continua débil. O entusiasmo é grande com a recuperação da economia chinesa, mas os efeitos devem demorar a fazer efeito. Se os próximos indicadores económicos continuarem fracos, o otimismo com a evolução da segunda maior economia do mundo pode desvanecer.  
  • Tensão no Médio Oriente. Os mercados acionistas têm passado praticamente ao lado das tensões crescentes no Médio Oriente. A desvalorização branda registada a 1 de outubro, em reação ao lançamento de mísseis do Irão para Israel, evidencia esta aparente tranquilidade dos investidores com a situação. Contudo, caso o conflito evolua para uma guerra em larga escala numa região fundamental para fornecimento de petróleo a nível global, os riscos geopolíticos vão assumir um peso bem mais relevante na direção das bolsas.  

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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.

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