À medida que o tempo aquece, as Sociedades Anónimas Desportivas (SAD) dos clubes de Futebol juntam-se a outras tantas empresas e ao Estado para emitir dívida. Recentemente, foi a SAD do Futebol Clube do Porto a colocar 50 milhões de euros em obrigações junto de mais de 3.200 investidores. Mas afinal, o que são obrigações? Como saber se é um bom investimento e como aplicar o seu dinheiro?
Investir em obrigações é emprestar dinheiro a alguém e, em troca (na esmagadora maioria deste tipo de operações), receber juros periodicamente, até um prazo no qual a entidade reembolsa o montante emprestado pelo investidor.
Por norma, o investimento em obrigações é feito em bloco, havendo um patamar mínimo de subscrição. Para se perceber qual esse montante, é necessário multiplicar o preço de cada obrigação pelo número mínimo de títulos a investir. Vejamos um exemplo prático e atual.
Quem investiu na emissão de obrigações do Futebol Clube do Porto teve de comprar, pelo menos, 500 obrigações, com cada uma a valer cinco euros. Ou seja, feitas as contas, o montante mínimo de subscrição são 2.500 euros (500 x 5).
Duas formas de lucrar com obrigações: Preço e juros
Há dois modos de ganhar dinheiro com obrigações:
- Através dos juros, que são pagos, por norma, trimestralmente;
- Com a venda das obrigações a outros, podendo gerar mais-valias (ou perdas).
Por exemplo: se investiu 2.500 euros em obrigações, por cinco euros cada, ao vender a um terceiro este pode estar disposto a pagar mais ou menos por estes títulos de dívida.
Pode ainda ganhar mais-valias se as obrigações forem emitidas abaixo do preço nominal. A empresa ou Estado que emite esta dívida pode definir que cada obrigação vale cinco euros - esse é o chamado preço ao par, ou seja, a emissão foi feita ao valor nominal (100%).
No entanto, de forma a remunerar os obrigacionistas com mais dinheiro, as obrigações podem ser emitidas abaixo do par, com desconto. Por exemplo, uma obrigação pode ser emitida por quatro euros, mas ser reembolsada a cinco no final da maturidade. É o que acontece nas obrigações de cupão zero, que não pagam juros.
Neste caso, se cinco euros são 100%, significa que o preço foi emitido a 85%. Porém, a diferença entre preço de reembolso e de emissão (quando existe) não costuma ser tão expressiva, ficando a cotação no máximo a 5% abaixo do par (95%).
Não confunda juros com cupão
Além das mais-valias com a diferença dos preços de compra e venda de obrigações, pode ainda ganhar dinheiro com o cupão pago. Não confunda juros com cupão: juro é a percentagem paga sobre o valor de cada obrigação, enquanto o cupão é esta percentagem transformada em dinheiro.
Voltemos ao exemplo da emissão da SAD do FC Porto. A SAD azul e branca paga um juro bruto, ou seja, sem contar com impostos e comissões, de 5,25%. Para calcular o cupão basta fazer a seguinte conta:
2.500 X 5,25% = 131,25 euros
Ou seja, por cada 2.500 obrigações, o cupão é de 131,25 euros.
O cupão é pago num período definido pelo emitente, por exemplo a cada três ou seis meses, até à data de maturidade, que pode ir desde um a dois anos até sempre, literalmente. Quando as obrigações pagam juros para sempre são chamadas obrigações perpétuas.
Juros fixos e variáveis
Assim como acontece nos créditos contraídos junto de um banco, as taxas de juro dos empréstimos obrigacionistas podem ser fixas e variáveis, sendo mais comum o pagamento de uma taxa fixa. As obrigações de taxa fixa pagam juros a uma taxa constante durante todo o período de investimento. Já nas obrigações de taxa variável os juros pagos variam com base num indexante, como a Euribor.
Como investir em obrigações?
O investimento em obrigações é sempre feito através de um intermediário financeiro, seja um banco ou uma corretora. Se não quiser exposição direta a estes títulos, pode apenas adquirir uma ou várias unidades de participação de fundos de investimentos e fundos negociados em bolsa (ETF, na sigla em inglês), que por sua vez investem em obrigações.
Esta estratégia pode ser mais rentável, já que estas entidades investem em dívida de vários emitentes, entre Estados e empresas. Assim, as perdas de uns títulos podem ser cobertas pelos ganhos arrecadados com outros.
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Custos podem não compensar o investimento
Antes de investir em obrigações, deve, em primeiro lugar, consultar o prospeto da operação que é publicado no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Além das datas e outros detalhes sobre a operação, é obrigatório que todos os emitentes dediquem um capítulo aos riscos genéricos e específicos.
No caso das SAD dos clubes, é normal que seja referido o risco de não ultrapassar determinadas fases das competições europeias ou de não conseguir vender determinados jogadores, já que estas são formas de os clubes arrecadarem receita que, por sua vez, pode ser destinada ao pagamento dos juros.
Além disso, pode utilizar o simulador da CMVM, que conta com todos os intermediários estejam envolvidos em cada operação, seja através dos canais digitais ou físicos, e permite prever custos e rendibilidade.
Voltemos ao exemplo da colocação de dívida do FC Porto que decorreu recentemente. Através do simulador da CMVM, era possível constatar que, através de determinados intermediários financeiros, sobretudo mais pequenos, investir o montante mínimo de subscrição (2.500 euros) iria levá-lo a perder dinheiro, devido às comissões cobradas sobre operação e custódia dos títulos.
Isto significa que um juro de 5% pode transformar-se em -1% (ou seja, está a perder 1% periodicamente com este investimento). Esta percentagem final, a que é dado o nome de taxa interna de rentabilidade líquida, também pode ser calculada pelo simulador do CMVM.
Não se esqueça ainda de deduzir a taxa anual de inflação prevista pelos bancos centrais e outras organizações credíveis para o período em que irá deter estas obrigações. Só tendo em conta todos estes fatores pode perceber se, em termos reais, estará ou não a aumentar o seu património a médio ou longo prazo.
Vender a outros ou ficar com obrigações até à maturidade?
A qualquer momento, e desde que haja compradores - o que poderá ser mais difícil para empresas mais pequenas ou específicas, como SAD de clubes - pode vender esta obrigação a outros, através do seu intermediário financeiro. Este espaço de "revenda" é chamado de mercado secundário, para distinguir do mercado primário, que é aquele onde são comprados os títulos de dívida no momento da sua emissão por uma empresa ou Estado.
Mais uma vez, se estiver a ponderar vender este título "em segunda mão", deverá fazer contas e aconselhar-se junto do seu intermediário financeiro. Um bom indicador para ajudar a tomar esta decisão é a yield to maturity, ou, em português, taxa atuarial de rendibilidade.
Esta taxa pode ser calculada em qualquer momento e representa o rendimento recebido pelo detentor caso mantenha a obrigação até à sua maturidade. O cálculo desta taxa tem em conta a frequência de pagamento dos cupões, o seu valor e a diferença entre o valor atual da obrigação e o valor de reembolso do capital na maturidade.
Esta taxa pode ser mais elevada, mais baixa ou igual à taxa de cupão. Se for igual ou mais baixa, poderá haver vantagens em vender a obrigação. O cálculo da yield do maturity é complexo, mas pode encontrar informação online ou pedir este indicador ao seu intermediário. Este cálculo é importante, já que deter uma obrigação que paga um juro abaixo do que está a ser incorporado pelos preços do mercado secundário pode significar que está a ganhar menos do que poderia ganhar face às cotações de mercado.
Ao vender a obrigação, serão calculados os juros corridos, ou seja, quanto dos juros fica consigo e a partir de quando estes passam para a esfera do novo comprador. Isto porque, naturalmente, uma vez vendida a outros, a obrigação deixa de remunerar juros a quem a vendeu.
Assim, no momento da transação, o comprador paga o preço da obrigação mais o juro corrido, que se calcula multiplicando o juro diário líquido do empréstimo pelo número de dias passados desde o último pagamento de juros.
É possível trocar dívida?
Quando uma empresa ou Estado pretende adiar o reembolso do pagamento do reembolso, pode ter interesse em trocar dívida. Por exemplo, se, em 2020, a empresa A emitiu 10 milhões a cinco anos, que vencem este mês, com um juro de 4%, pode emitir mais 10 com um juro de 5%, resgatando as anteriores obrigações. Os investidores acabam por beneficiar assim de um juro mais elevado.
Quais são as vantagens de investir em obrigações?
Não é aconselhável investir unicamente num ativo, seja ele uma obrigação, ação ou outro. Apesar de o investimento não ser uma aposta, é caso para dizer que é um erro fazer all-in num único instrumento financeiro, sob pena de perder bastante dinheiro sem possibilidade de compensar esta perda com ganhos no investimento em outros produtos.
Assim, a pergunta passa por saber qual a vantagem de deter obrigações numa carteira de investimento diversificada. Aliás, é bem conhecida a regra 60/40 que diz respeito a um portefólio com 60% de exposição a ações e 40% a obrigações.
Esta proporção é, em geral, considerada um bom equilíbrio entre risco e retorno, uma vez que as ações dão maior retorno, mas comportam maior risco, ao passo que as obrigações são, por norma, mais estáveis, mas também não têm a hipótese de apresentar ganhos extremamente expressivos.
Além disso, por norma, mas não sempre, as ações e obrigações apresentam uma correlação negativa. Ou seja, quando as ações sobem, as obrigações tendem a cair.
Foi o que aconteceu em 2024. O índice Bloomberg Global Aggregate Bond - um indicador que mede a rendibilidade do mercado de dívida a nível mundial - registou uma quebra de quase 2%, enquanto, nas ações, o cenário tem sido manifestamente mais positivo, a nível mundial. Nos dois últimos anos, o investimento numa carteira diversificada de ações não só superou a inflação como deu ganhos adicionais bastante expressivos. As ações fecharam 2024 com ganhos de quase 27%, segundo o desempenho do índice MSCI World em euros, depois de uma outra escalada de mais de 20% no ano anterior.
Ainda assim, é preciso ter em conta que ambas as classes de ativos podem estar a subir ou a descer. No primeiro cenário, há vários economistas e académicos que classificam este fenómeno como um prognóstico de recessão.
Entre as vantagens há ainda ter em conta o facto de haver um rendimento previsível (mas não garantido), através dos juros e reembolso do capital emprestado a uma empresa ou Estado. Além disso, há um maior conhecimento dos riscos de antemão, através do prospeto ou das classificações dadas pelas agências de notação financeira à dívida emitida, quando aplicável.
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Riscos são reduzidos mas existem
Em matéria de riscos, as obrigações são vistas como um refúgio quando comparadas com outros ativos voláteis, como as ações ou derivados. No entanto, tal não significa que não possa perder dinheiro com cenários imprevisíveis. Estes são os riscos a que está exposto, quando investe em dívida privada ou pública:
Risco de incumprimento
E se de repente o emitente não pagar o juro ou reembolso? Seja por insolvência ou por aperto nas contas, é uma situação que nunca deve excluir, mesmo no caso das obrigações soberanas (dívida pública).
Risco de taxa de juro
O valor de uma obrigação à taxa fixa não é estável no tempo e depende do nível geral das taxas de juro, que oscilam mediante o "andar" da economia e da política monetária.
No caso da Zona Euro, por exemplo, os juros tendem a subir e a descer à boleia dos aumento e cortes das taxas de referência por parte do Banco Central Europeu (BCE). Quando as taxas sobem, aparecem novas oportunidades de investimento a taxas mais vantajosas.
Neste caso, o valor da obrigação desce, de maneira a que a taxa de rendimento oferecida pelo título fique próxima da taxa gerada por novas emissões. Inversamente, quando o nível geral das taxas de juro diminui o valor das obrigações à taxa fixa aumenta.
Risco de liquidez
Quando um ativo é pouco líquido, o investidor pode ter dificuldade em desfazer-se dele, arranjando um comprador, sem ter de pagar um prémio ou aumentar o desconto. Assim, poderá ser mais fácil vender títulos de dívida da República portuguesa a 10 anos no mercado secundário do que obrigações de empresas mais pequenas (com menor liquidez).
Tenho de pagar impostos se investir em obrigações?
Os juros de obrigações são rendimentos de capitais, sendo, por isso, tributados no âmbito da categoria E a uma taxa liberatória de 28%. Esta taxa é cobrada em regime de retenção na fonte pelo intermediário financeiro. A percentagem é agravada para 35%, caso a empresa emitente de dívida esteja sediada num paraíso fiscal. Se tiver dúvidas, esta é a lista daqueles que o Estado considera serem "regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis", vulgarmente conhecidos por paraísos fiscais.
Quer isto dizer que não tem de ter o trabalho de declarar este rendimento, a não ser que opte pelo englobamento. Se for esta a sua vontade, deve preencher o quadro 4B do anexo E da declaração de IRS, com o código E20.
Caso o cupão seja pago por uma empresa estrangeira ou através de um intermediário financeiro que não esteja sediado em Portugal, deve preencher o quadro 8A do anexo J, destinado a rendimentos obtidos no estrangeiro. Deve introduzir o código E20 se os rendimentos forem tributados pelo Estado onde está sediada a empresa ou E22 caso se trate de um intermediário não sediado em território nacional.
No caso de o Estado de origem da empresa já cobrar uma taxa sobre o juro, de forma a evitar a dupla tributação poderá haver direito a um crédito sobre o imposto, ou seja, as Finanças pagarão uma espécie de reembolso. Para tal, deve optar pelo englobamento assinalando “SIM” no quadro 8B do anexo J.
Dívida pública com vantagem fiscal
A grande diferença ente os cupões pagos pelo Estados e empresas no IRS é que os juros da dívida pública podem estar parcialmente isentos, ao abrigo do regime de benefícios fiscais, mediante o número de anos durante os quais detenha as obrigações em carteira. Por exemplo, são excluídos da tributação três quintos do rendimento se o resgate, adiantamento, remição ou outra forma de antecipação de disponibilidade do dinheiro investido, bem como o vencimento, ocorrerem depois dos primeiros oito anos de vigência do contrato.
No entanto, para gozar deste benefício, é necessário que o capital investido fique imobilizado por um período mínimo de cinco anos e o vencimento da remuneração ocorra no final do período contratualizado.
Mais-valias de obrigações não contam como cupões
As mais-valias obtidas com a venda ou o reembolso das obrigações devem ser declaradas no quadro 9 do anexo G, com o código G10, a não ser que opte pelo englobamento, sendo taxadas a 28%. O quadro deve ser preenchido com as seguintes informações:
- NIF da entidade emitente dos títulos;
- Data de aquisição dos títulos e valor respetivo;
- Data de realização (em que vendeu ou em que a venda se concretizou e conseguiu os lucros);
- Despesas e encargos envolvidos em ambas as operações, como as comissões.
O englobamento passa, no entanto, a ser obrigatório, se os títulos de dívida forem detidos durante menos de 365 dias e o contribuinte apresentar rendimentos superiores ao último escalão do IRS. Como nas ações, as menos-valias podem ser declaradas nos cinco anos seguintes. Os investidores não residentes em Portugal não pagam IRS nem sobre os cupões, nem sobre as mais-valias.
Na altura em que preencher a declaração, tenha em conta que, além das "despesas e encargos", deve ser deduzida a percentagem dos juros, já que estes já foram tributados na categoria E.
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