Investimentos

O mercado de ações afundou. Como saber se devo saltar do barco?

Quando o mercado derrapa, os investidores desfazem-se de ações em catadupa. Nestas alturas, o tempo pode ser o melhor conselheiro.

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O mercado de ações afundou. Como saber se devo saltar do barco?

Quando o mercado derrapa, os investidores desfazem-se de ações em catadupa. Nestas alturas, o tempo pode ser o melhor conselheiro.

Depois da bonança, às vezes os tempos são de tempestade. O mercado de ações nos EUA perdeu cerca de cinco biliões de dólares em dias, de olhos postos na sala oval, na Casa Branca, onde o presidente dos EUA, Donald Trump, abana o xadrez geopolítico ao liderar uma guerra comercial como não era visto desde o fim da II Guerra Mundial, através das tarifas impostas a vários países e blocos.  

Os investidores começaram a desfazer-se de títulos de maior risco, como as ações, e adquirir ativos-refúgio como o ouro, um comportamento habitual em eras de incerteza. No último mês, o saldo dos três principais índices nos EUA é negativo, tendo o industrial Dow Jones desvalorizado mais de 6%, o tecnológico Nasdaq Composite deslizado mais de 12%, enquanto o índice de referência mundial – devido à sua diversificação - Standard & Poor's 500 (S&P 500) caiu mais de 8%.  

Por outro lado, o metal amarelo bateu um novo recorde, tendo ultrapassado a fasquia dos três mil dólares por onça. O mercado é feito de preços, de ações por exemplo, pelo que os investidores tentam incorporar nas cotações atuais o futuro, numa tentativa de descontar agora o que pode vir a acontecer mais tarde.  

No entanto, a incerteza deixa os traders em xeque e tende a pressionar as ações. Assim, a imprevisível e agressiva política comercial dos EUA, tem estado nos últimos dias a pressionar as ações e por outro a impulsionar ativos-refúgio como o ouro.  

Trump no centro das atenções

Trump impôs tarifas sobre o Canadá e México, sobre produtos chineses e sobre todas as importações de aço e alumínio. Entretanto, incluindo as da União Europeia (UE). O bloco europeu já reagiu com uma taxa de 50% ao whisky norte-americano, o que já levou o presidente dos EUA a ameaçar a UE com uma tarifa de 200% sobre vinho, champanhe e outras bebidas alcoólicas europeias.  

O presidente dos EUA tem ainda doseado mais o cenário de incerteza com as intervenções públicas constantes em defesa do domínio norte-americano sobre a Gronelândia, um território autónomo da Dinamarca, e o Canal do Panamá (pertencente ao país com o mesmo nome).  

Entretanto, as ações voltaram a subir, com correções superiores a 1% só durante a sessão da passada sexta-feira, 14 de março. Mas o que quer isto dizer? Quando sair e quando saltar do barco?

Investidores tendem a ser pouco objetivos. Não ceda sempre  

Movimentos altamente expressivos dos preços das ações tendem a levantar questões sobre quão preparado pode estar um investidor para uma quebra do mercado, mesmo que o seu perfil de investidor seja mais agressivo do que defensivo. Mas resistir um contexto global de crise, o que é distinto de uma queda provocada de uma empresa, por más contas por exemplo, pode mesmo ser a mesma solução. E é mesmo uma questão matemática.  

Lembre-se de todas as crises pelas quais o mundo e a bolsa já passaram. Apesar de todas estas crises, incluindo a de 2008, os três principais índices norte-americanos apresentam uma trajetória ascendente desde a sua fundação. O S&P 500 é o maior exemplo. 

Desde 1957, o S&P 500 deu aos investidores um retorno médio anual de mais de 10%. No entanto, este número conta apenas parte da história, já que, desde o “boom” do pós-guerra, até à euforia atual relativamente à inteligência artificial, houve anos mornos, outros bastante positivos (como foi 2024 com uma escalada de dois dígitos) e outros de quedas substanciais. Assim, quem saiu a ganhar foi sobretudo o investidor a longo prazo.  

Ainda assim, resistir pode parecer difícil, mas há boas notícias: não é apenas um problema seu, é um viés comum da psicologia humana. Aliás, é com base neste contraditório que nascem no início do século XX os primeiros escritos de sobre psicologia comportamental em finanças no início do século passado pelas mãos de George Seldon, autor de “Psychology of the Stock Market” (em português: “Psicologia do Mercado de Ações”.  

Anos mais tarde, em 1979, Daniel Kahneman e Amos Tversky aprofundaram o tema e descobriram mesmo que os investidores tendem sobretudo a tomar decisões com base em pontos de referência subjetivos, em vez de escolher objetivamente a melhor opção, seja por assumirem um excesso de confiança, ou um temor exagerado relativamente às perdas.  

Quando investir, além do seu perfil, tenha em conta se não é o tipo de pessoa que sente mais, intensamente, a dor de uma perda do que a euforia de um ganho. Em termos financeiros, isto significa que os investidores mantêm muitas vezes ações que deveriam vender para evitar perdas.  

Por outro lado, com base neste viés psicológico, os investidores podem acabar por vender demasiado cedo um título, com medo de vir a perder dinheiro. Feitas as contas, quem é demasiado averso ao risco acaba por ter um portefólio demasiado conservador, com um desempenho abaixo do mercado.  

A aversão excessiva ao risco não é o único problema, "mas a forma como ele é percebido". "Muitos investidores associam risco apenas a volatilidade de curto prazo e não ao risco real de perda permanente de capital. Tal condiciona as decisões, como entrar nos mercados apenas em fases de euforia ou sair em momentos de pânico", alerta em declarações ao Doutor Finanças, João Queiroz, head of trading do Banco Carregosa.

Este problema é bastante notório em Portugal, sobretudo devido ao "peso do imobiliário e das tradicionais aplicações a prazo como os depósitos nas carteiras dos investidores nacionais", defende João Queiroz.

"Ser ambicioso quando os outros têm medo"

A capacidade de saber perder e não acompanhar a manada, quando se tem confiança numa ação e nas contas e trajeto de uma empresa (e não por razões concretas), foi um dos motivos que levou o guru de Wall Street, o multimilionário Warren Buffet, a construir a máxima, em plena pandemia – em que o mercado acionista estava em queda – que é preciso saber ter uma visão a longo prazo.  

É preciso estar preparado, quando se compra uma ação, que ela possa cair 50% ou mais, desde que se sinta confortável com isso e com participação que detém na empresa”, disse na altura o guru também conhecido como Oráculo de Omaha.  

Aliás, a lição magna de Buffet consiste mesmo em “ter medo quando os outros são ambiciosos e ser ambicioso quando os outros têm medo”. Esta estratégia levou mesmo Buffet a ganhar bastante dinheiro, já que em plena crise financeira, a sua gestora (cujas ações valem milhares de dólares por unidade) a Berkshire Hathaway  detinha ações de bancos, na altura altamente pressionados em bolsa, como o Goldman Sachs.  

Nos 10 anos que se seguiram à crise financeira, grandes instituições financeiras, que incluem além deste banco, o J.P. Morgan e o Wells Fargo lucraram mais do que na década que antecedeu este fenómeno, de acordo com o levantamento da Quartz, realizado em 2018. Este desempenho positivo das contas, acabou por se refletir na performance em bolsa. A este método de comprar em plena queda de ações, na esperança de que subam no futuro, e portanto, estejam a negociar a saldo, é dado o nome inglês buy the dip (ou em português comprar a queda).  

Isto significa que a aposta no longo prazo pode ser a estratégia mais aconselhada, até porque investir apenas a curto prazo implica assumir vários riscos que pode destruir a sua carteira, tais como:

  • Ruído de mercado - Os movimentos diários das ações são influenciados por fatores temporários, informação assimétrica ou com enviesamento e notícias de curto prazo, que podem não refletir o real valor do ativo;
  • O timing perfeito não existe - Tentar prever exatamente os topos e fundos do mercado raramente funciona. Assim, na maioria das vezes, uma saída antecipada impede capturar uma grande valorização;
  • Implicações fiscais - Em alguns mercados, os ganhos de curto prazo podem ser mais penalizados fiscalmente do que os de longo prazo;
  • Efeito emocional - Decisões de curto prazo tendem a possui mais carga emocional do que racional, aumentando a probabilidade de erro e de seguir tendências irracionais.

Não siga uma única máxima. Um curso comporta várias lições

Por outro lado, lembre-se que utilizar uma única máxima, seja de Buffet ou outro guru qualquer, também é um erro. A bolsa acompanha o mundo e o mundo é complexo. Até porque, tomando este exemplo da máxima de Buffet, pode haver aqui duas perspectivas, mediante as causas para este tombo de 50%. "Se a queda de 50% resulta de um choque temporário e os fundamentos continuam sólidos, poderá até constituir uma oportunidade para reforço de posição", começa por observar o head of trading do Banco Carregosa.

Por outro lado, "se o mercado está a reavaliar permanentemente a empresa – seja por mudanças estruturais na indústria, má gestão ou alteração dos pressupostos de investimento – então insistir no erro poderá constituir um desastre", isto porque "se um ativo cai significativamente, o mercado pode estar a transmitir uma mensagem, e ignorá-la pode ter repercussões, pelo que a diversificação deve utilizada, a avaliação deve ser contínua, e a proteção de capital é prioritária", recomenda João Queiroz.

Também Steven Santos, diretor de brokerage e plataformas de investimento do banco BiG sublinha que este tipo de máxima não deve ser levada a 100%, muito menos pelo pequeno investidor. "Para um investidor não-profissional, uma desvalorização de 50% pode transformar-se numa perda irrecuperável, com um impacto grande na sua carteira de investimento", até porque, note-se, "para recuperar de uma desvalorização de 50%, é necessário que o ativo valorize 100% apenas para voltar ao ponto inicial", frisa o especialista.

Assim evite simplificar problemas e tomadas de decisões financeiras, limitando a um único aspeto, o que pode levar a decisões irracionais. Pondere todos os prós e contras antes de comprar ou vender ações.

O problema do excesso de confiança  

No extremo oposto existem investidores com excesso de confiança no seu conhecimento sobre mercados e, consequentemente, sobre as decisões a tomar sobre a sua carteira de ações. Este erro pode levar a tentativas erradas de antecipação do desempenho do mercado. 

Em Portugal, os números são alarmantes. O último inquérito levado a cabo pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) dá conta que 38,5% dos inquiridos afirmam-se conhecedores ou muito conhecedores dos temas sobre mercados e 67,4% consideram que os respetivos conhecimentos são superiores ou muito superiores aos da média da população portuguesa. No entanto, por exemplo, quase metade (47,2%) da amostra desconhece os produtos de investimento sustentáveis.  

As pistas para saber que está na hora de sair do barco

Como conseguir então o equilíbrio entre medo e confiança excessivos? Os especialistas contactados pelo Doutor Finanças apresentaram uma série de dicas, que vão desde o perfil de risco do investidor, aos fundamentais da empresa, por outras palavras, contas e estratégia de negócio:

Mudança de fundamentais - Se a empresa perdeu a vantagem competitiva, enfrenta dificuldades estruturais ou a sua estratégia já não se alinha com as expectativas iniciais, pode estimular a venda das ações;

Valorização Excessiva - Se o mercado já incorporou expectativas menos realistas e a ação está muito acima do seu valor justo, pode ser prudente realizar ganhos antes que o mercado ajustar; 

Deterioração do setor - Uma ação pode permanecer sólida e robusta, mas se o setor está em declínio estrutural (por exemplo, se adota uma tecnologia ultrapassada), pode ser adequado assumir o resultado da estratégia antes que o impacto seja total; 

Alteração no perfil de risco do investidor - Se a sua situação pessoal ou os seus objetivos financeiros mudaram, seja porque a reforma está mais próxima ou porque passa a ter maior necessidade de liquidez face a uma dívida inesperada, por exemplo.

Gestão de carteira – Um título pode continuar um excelente investimento, mas se assumiu elevada representatividade no portefólio, pode ser recomendável reduzir para manter um equilíbrio de risco. Afinal, um dos segredos do investimento é a aposta na diversificação. Não invista só numa ação, "distribua o mal pelas aldeias", de forma a reduzir o risco (se uma cair, podem não afundar todas).

Assim, a decisão de vender ou manter ações deve ser uma decisão estratégica e não emocional, baseada em fundamentos e contexto de mercado.

Diversificar pode resolver muitos problemas

A diversificação de uma carteira de investimento, ou seja, distribuir um portefólio por vários setores distintos de ações, incluindo ainda obrigações - que por norma têm desempenhos simetricamente opostos (ainda que nem sempre) - pode ser uma forma de garantir que quando se perde de um lado, não se perde de todos.

Do lado das ações, isto significa que, sobretudo na ótica dos pequenos investidores, mais vale estar exposto a um conjunto alargado de títulos através de índices diversificados do que ações isoladas. Não sendo possível investir diretamente nestes índices bolsistas, há uma forma através de ETF, fundos negociados em bolsa que replicam o desempenho destes índices, e por vezes distribuem os dividendos correspondentes.

Assim, como explica ao Doutor Finanças Martijn Boons, professor associado da Nova School of Business and Economics (SBE), "se comprar fundos diversificados (como os índices de referência mundial S&P500 ou MSCI), como todas as pesquisas sugerem, então nunca vai precisar de pensar sobre esta questão [de quando se deve vender uma ação]".

O académico - que reitera que esta é apenas a sua filosofia e não um conselho de investimento - desdramatiza os mais recentes movimentos de mercado (que entretanto já entraram em correção), assumindo que o mercado é eficiente, ou seja que as ações seguem um caminho aleatório (um princípio conhecido em finanças como random walk).

"A única razão que me ocorre para vender agora é se acreditar que está mais informado do que os outros players do mercado e que é capaz de antecipar coisas que os outros não conseguem", o que é praticamente impossível, se assumirmos que os ativos seguem um caminho aleatório.

Não se desfaça das suas ações sem fazer check nesta lista

Em suma, se quer uma estratégia temperada, de forma a evitar perdas excessivas, tenha em conta os seguintes pontos, antes de tomar qualquer decisão sobre o seu portefólio:

  • Conheça o seu perfil de investidor;
  • Aposte na diversificação. Mais do que uma ação invista num cabaz de títulos, através de ETF ou fundos, por exemplo;
  • Não tome decisões precipitadas, seja por medo ou por excesso de confiança;
  • Avalie as contas e outros fatores estruturais de uma empresa da qual detém ou quer comprar ações;
  • Não siga uma única máxima, mas sim uma lista de lições.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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