Há uma pergunta que ensombra a mente de muitos investidores: se o meu intermediário financeiro, seja ele uma corretora ou um banco, falir e desaparecer, o que acontece aos produtos financeiros em que investi? A resposta a esta questão envolve muitas variáveis, mas vamos tentar compreender melhor o que se passa num cenário deste género.
Ao cliente o que é do cliente e à corretora o que é da corretora
Na lei portuguesa, existe um princípio claro de separação entre os ativos do intermediário financeiro e do cliente, assim como um dever genérico de "tomar todas as medidas" para garantir o direito de acesso dos investidores aos seus bens. Aliás, tanto bancos como corretoras conservam registos e contas que permitem distinguir, a qualquer momento, entre ativos dos clientes e da plataforma.
Por vezes, os intermediários financeiros têm contas em seu nome que, na realidade, detêm ativos de clientes - esta é uma prática comum sobretudo em plataformas low-cost, para acelerar os processos internos. Ora, mesmo nestes casos, deve haver distinção e nunca aproveitamento do dinheiro do cliente.
Isto significa que, em caso de insolvência do intermediário financeiro, se estas entidades seguirem as regras previstas, o investidor terá acesso aos seus ativos, como ações e obrigações, por exemplo, a não ser que seja cometido um crime de fraude.
O intermediário não tem de ser quem guarda os títulos
Apesar das normas existentes para assegurar que o intermediário que executa as ordens de compra e venda (a chamada corretagem) mantém os títulos em segurança, a realidade é que esta não é uma questão linear.
Isto porque é possível que, quando o investidor negoceia através de uma plataforma, esta deposite os ativos em outra entidade, como uma empresa custodiante ou um banco, por exemplo. Em caso de insolvência desta entidade, os títulos ficam salvaguardados, mas é aconselhável que, enquanto investidor, saiba onde estão guardados.
O último recurso: um fundo que cobre parte das perdas
Mesmo que o intermediário financeiro não tenha capacidade para devolver a sua carteira de ativos, existe um fundo público de compensação, o Sistema de Indemnização aos Investidores (SII), que já foi acionado, por exemplo, aquando do fim do Banco Privado Português (BPP) e da sucursal em Portugal do Banque Privée Espírito Santo.
Este sistema cobre perdas relacionadas com a incapacidade de ressarcimento por parte dos intermediários relativamente a carteiras de ações, obrigações, derivados e unidades de participação em fundos. As criptomoedas não estão abrangidas.
No entanto, o SII só cobre até 25 mil euros em investimento por investidor. Ou seja, se detiver duas contas distintas na mesma plataforma com 50 mil euros em ativos, só recuperará metade dos ativos em dinheiro (caso o intermediário seja incapaz de o fazer).
Se a sua corretora perder a autorização para operar ou entrar em insolvência, este fundo é automaticamente acionado, não sendo necessário que lhe dirija qualquer requerimento. No entanto, caso não esteja satisfeito, pode dirigir uma reclamação a esta entidade. As indemnizações judiciais relativas a perdas de ativos podem também ser pagas pelo SII, desde que este seja notificado pelo tribunal.
O último relatório e contas do SII dava conta de que existiam 65 entidades ativas abrangidas por esta espécie de fundo de garantia. Pode consultar a lista de participantes nesta lista publicada e atualizada periodicamente na página da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
Ainda assim, são muitas as entidades que estão abrangidas por sistemas de compensação estrangeiros, o que implica condições e montantes diferentes. Por exemplo, a Degiro é abrangida pelo Programa de Compensação de Investidores de Instituições de Valores Mobiliários para Reclamações de Investidores dos Países Baixos, onde está sediada a empresa. Ao contrário do SII, o programa neerlandês apenas assegura um montante máximo de 20 mil euros.
Contas com proteção distinta?
Além da proteção dos ativos investidos, alguns intermediários referem nas suas páginas oficiais que o dinheiro depositado nas contas destas plataformas está abrangido por fundos de garantias de depósitos, sobretudo na União Europeia, desde que os intermediários estejam incorporados numa entidade bancária registada. Estas contas não são utilizadas como contas bancárias verdadeiras e próprias, mas apenas como uma forma de poder ter dinheiro guardado, que depois poderá ser alocado em ativos.
Ora, se entre estes dois momentos a plataforma falir, poderá ter de ser acionado um fundo de garantia de depósitos, que, em muitos países da União Europeia - onde estão sediadas várias corretoras que operam em Portugal, como Degiro ou XTB - assegura um teto por conta até aos 100 mil euros. Note-se que este tipo de fundos abrange apenas o dinheiro depositado neste tipo de conta e não aquele que está investido em ativos como ações ou obrigações.
No entanto, mesmo o dinheiro depositado nestas plataformas - desde que sirva apenas para investir - também está abrangido pelo SII (ou pelo equivalente no país onde está sediada a corretora), desde que a entidade seja participante deste sistema.
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