Investimentos

Obrigações em Portugal rendem mais do dobro das ações

As ações portuguesas ficam muito mal na fotografia num estudo do Deutsche Bank que analisa o desempenho dos mercados neste quarto de século.

O Deutsche Bank publicou recente um interessante estudo com a análise ao retorno dos ativos nos principais mercados mundiais neste primeiro quarto de século, que termina já no final deste ano.

As conclusões validam a ideia de que as ações são o ativo de eleição para investir no longo prazo a nível global, mas também apontam para alguns resultados surpreendentes e que dão pistas para os próximos anos.

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Ações portuguesas com o pior desempenho

Um deles diz respeito a Portugal, que fica muito mal na fotografia do estudo do banco alemão. Entre os 20 mercados de economias desenvolvidas que são analisados pelo Deutsche Bank, as ações nacionais registam o pior desempenho neste primeiro quarto de século, com um retorno médio anual de apenas 1,9%. É o mais baixo entre todas as bolsas, com as rendibilidades anuais mais frequentes em torno de 4%.

Tendo com conta o efeito da inflação, o retorno real das ações portuguesas é mesmo negativo (-0,2%), o que entre os mercados analisados só se repete em Espanha (-0,3%). Itália (1,3%) e Países Baixos (1,6%) são os outros países que surgem com rendibilidades reais anuais abaixo de 2%. Já os países do Norte da Europa (Suécia, Noruega e Dinamarca), Oceânia (Austrália e Nova Zelândia) e Norte da América (Estados Unidos e Canadá) surgem com retornos em redor de 5% ou acima.

Mas o que mais surpreende em Portugal é o facto de as obrigações nacionais gerarem um retorno bem mais interessante dos que as ações neste período de 25 anos, o que neste caso contraria a ideia de que estes ativos de risco mais baixo geram retornos menos interessantes no longo prazo.

De acordo com o estudo "Lessons from the 1st Quarter Century of the Millennium", os títulos de dívida de Portugal rendem 5,2% em termos nominais na média anual deste quarto de século, mais do que duplicando o retorno das ações portuguesas (1,9%). Incluindo a inflação na análise, a rendibilidade real baixa para 3,1%, o que não deixa de ser interessante para um ativo que tem um risco reduzido.

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As razões por detrás do desempenho

O estudo do Deutsche Bank não se debruça sobre os motivos que explicam este desempenho dos ativos portugueses, mas a discrepância das ações nacionais para as do resto do mundo tem várias justificações. O pedido de assistência financeira que Portugal efetuou em 2011 obrigou a um ajustamento agressivo que penalizou fortemente a economia nacional e as companhias cotadas na Bolsa de Lisboa.

As ondas de choque que resultaram da intervenção da troika diminuíram a atratividade da bolsa nacional, que ficou manchada pelos escândalos que resultaram no colapso do Banco Espírito Santo e da Portugal Telecom, sendo que este período fica também marcado pelo êxodo de importantes empresas da bolsa nacional, como é o caso da Cimpor, Brisa, Banco BPI e outras.

No caso das obrigações, a crise da dívida do Euro foi relevante para aumentar o retorno destes títulos, com o sucesso na correção das contas públicas portuguesas e melhorias de rating posteriores a trazerem os investidores internacionais de regresso à dívida portuguesa. O estudo do Deutsche Bank tem o foco na evolução dos ativos cotados nos últimos 25 anos, mas a análise também incide sobre outros períodos, onde a comparação do mercado português com os restantes já não destoa de forma tão evidente.

No horizonte temporal a 50 anos, as ações portuguesas rendem 8,9% em termos nominais e 1,2% em termos reais, o que também fica ligeiramente abaixo das obrigações (9,9% nominais e 2,2% reais). No período de exuberância que marcou o último quarto do século passado os retornos reais também foram muito magros, pois nessa altura a inflação era bem mais elevada do que atualmente. Alargando ainda mais a análise, nos últimos 100 anos as ações portuguesas rendem 4,3% após descontada a inflação, o que supera o desempenho das obrigações (2,2% em termos reais).

O desempenho nos últimos 10 anos

Nos últimos 10 anos as ações portuguesas registam um retorno nominal interessante de 7,6%, bem acima das obrigações (1,6%). Os títulos de dívida nacionais registam mesmo um retorno real negativo neste período (-0,4%), com a política de juros negativos do BCE a penalizar fortemente a rendibilidade das obrigações, ofuscando o efeito da melhoria notável nas contas públicas portuguesas.

Na análise a cinco anos (desde início da década) a discrepância entre ações e obrigações portuguesas é ainda mais acentuada (8,7 pontos percentuais).

Embora a bolsa nacional tenha sofrido um forte abalo neste início de milénio, o desempenho mais recente dá esperança de que o pior já ficou para trás e que as ações nacionais estão agora em melhor posição para atingir retornos alinhados com, pelo menos, a média europeia

Ações dos EUA brilharam mais no passado

Um quarto de século é tempo suficiente para alterações profundas na economia global, o que é comprovado pelos números disponibilizados neste estudo do Deutsche Bank, que ilustram o avanço da China e o declínio da Europa e do Japão.

O peso da China no PIB global passou de 3% em 2000 para 17% em 2024, enquanto o da Índia mais do que duplicou para 3,6%. Os EUA baixaram ligeiramente (29% para 26%), enquanto a União Europeia (25% para 17%) e o Japão (14% para 4%) sofreram quebras mais significativas. A evolução da China não foi contínua, pois no início do século o PIB da segunda maior economia do mundo representava apenas 12% dos EUA, tendo aumentado para um pico de 75% em 2021 e recuado para 64% em 2023.

Num período em que rebentou a bolha das tecnológicas (2000), o mundo viveu uma grave crise financeira, a Zona Euro passou por uma crise que colocou em causa a sobrevivência do euro, o mundo foi alvo de uma pandemia e persiste uma guerra em solo europeu, o desempenho dos ativos cotados não deixa de ser bastante positivo.

Estes são alguns dos destaques do estudo:

  • Apesar de ter voltado a superar o desempenho de outros mercados desenvolvidos, o retorno médio anual real das ações dos EUA nos primeiros 25 anos do milénio (+4,9%) é o segundo mais baixo entre os nove quartos de século desde 1800. É inferior a metade da rendibilidade registada em Wall Street no último quarto do século passado (+11,8%).
  • Noutras regiões do globo os retornos desde o início do milénio são mais modestos. Itália (1,3%), Alemanha (+2,4%), Reino Unido (+2,2%) e França (+2,9%) ficam atrás de Wall Street, bem como o Japão (3,2%), apesar do ponto de partida bem mais baixo depois das fortes quedas no final do século passado em Tóquio. As ações chinesas (+4%) não espelham o forte crescimento da economia, enquanto a Índia consegue destacar-se pela positiva (+6,9%).
  • Pela primeira vez na história, as ações norte-americanas registam um quarto de século com um desempenho inferior ao ouro (metal precioso com retorno médio anual real de 6,8%). E foi preciso esperar até 2013 para o índice S&P500 superar os retornos dos títulos de dívida de curto prazo dos EUA (T-bills) e até 2017 para passar à frente das obrigações (títulos de dívida de longo prazo).
Gráfico que mostra a evolução do ouro, do S&P500 e da dívida americana desde 1999.
  • Na análise aos últimos 100 anos, as conclusões reforçam que as ações são o ativo mais atrativo, superando o retorno real anual das obrigações na generalidade dos países por uma margem entre 3,5% e 6%. As ações norte-americanas rendem 6,9% por ano em termos reais desde 1800, mais do dobro do retorno das obrigações (3,1%) e o triplo das T-Bills (2%) neste período.
  • Entre os 20 mercados desenvolvidos analisados pelo Deutsche Bank, só a Suécia (7,6%) consegue superar Wall Street (7,3%) nas ações no prazo a 100 anos. A Dinamarca leva a dianteira nas obrigações (3,8%) e os mercados com retornos negativos nos títulos de dívida são de países com evolução mais desfavorável nas contas públicas: Itália (-1,3%), Japão (-0,9%) e França (-0,6%).    

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Demografia, dívida e inteligência artificial   

Uma das conclusões mais interessantes deste estudo do Deutsche Bank está na demonstração de uma correlação entre a evolução demográfica e o desempenho das economias e dos ativos cotados. Tendo em conta que as perspetivas para a evolução da população são muito desfavoráveis em diversas regiões do globo, o banco alemão estima que o próximo quarto de século voltará a ser marcado por um crescimento económico e retorno real das ações abaixo da média histórica, sobretudo nos países com economias desenvolvidas.

Na classe de ativos das obrigações as perspetivas também não são muito animadoras, tendo em conta os elevados níveis de endividamento de muitos países. O Deutsche Bank estima períodos de choque que forçarão decisões políticas extremas que vão gerar pressões inflacionistas, pelo que estima um desempenho estável das obrigações soberanas, com períodos de perdas reais acentuadas.

Tendo em conta as perspetivas desfavoráveis ao nível da dívida e demografia, o Deutsche Bank assinala que o desenvolvimento da Inteligência Artificial e os ganhos de produtividade relacionados com o avanço tecnológico são os fatores que podem contrariar esta perspetiva de declínio das taxas de crescimento económico e do retorno dos ativos que marcaram os 25 primeiros anos deste século.

Os principais marcos do futuro

Alguns dos destaques do estudo relacionados com a demografia:

  • O próximo quarto de século será o primeiro em que muitos países vão sofrer uma quebra da população. A China vai liderar, com uma descida de 149 milhões de pessoas a habitar aquela que é atualmente a segunda maior economia do mundo.
  • Entre as 57 economias desenvolvidas e emergentes analisadas pelo Deutsche Bank, 26 vão registar uma descida da população ativa: China (-225,8 milhões), Japão (-18 milhões), Coreia do Sul (-12,2 milhões), Rússia (-11,7 milhões), Itália (-10 milhões), Alemanha (-8,6 milhões) e Espanha (-7,8 milhões). A Índia vai registar o aumento mais expressivo na população ativa (+145 milhões), atingindo um nível 50% superior ao da China em 2049, depois de ter igualado este ano.
  • A Europa, como um todo, vai ver a sua população ativa encolher em 69,3 milhões no próximo quarto de século, depois de já ter sofrido uma quebra nos primeiros 25 anos (-13 milhões). Em contraste, os EUA registaram um crescimento de 21% (38 milhões) e devem voltar a aumentar no próximo quarto (+8 milhões). A Ásia aumentou em 40% (903 milhões).

Estas perspetivas da evolução da demografia dão pistas muito assertivas sobre onde vai estar concentrado o crescimento económico (e valorização dos ativos) mais expressivo no segundo quarto de século que arranca em 2025.          

Leia ainda: Obrigações, ações e dinheiro. Que peso devem ter na sua carteira?

Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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