Não é necessário ser um especialista para investir na Bolsa através da aquisição de ações de empresas cotadas, ou instrumentos financeiros que replicam índices e outros títulos. Os dados históricos mostram que aplicar uma parte das poupanças no mercado acionista, numa lógica de longo prazo, é uma estratégia acertada e com resultados habitualmente positivos.
Mas investir “às cegas” não deve ser uma opção, sendo por isso recomendável um nível de conhecimento mínimo para que as decisões de investimento sejam as mais acertadas. Ter o hábito de acompanhar a atualidade dos mercados financeiros, saber interpretar indicadores financeiros e conhecer os principais rácios bolsistas são ferramentas que o investidor deve ter do seu lado para maximizar o retorno potencial das suas aplicações.
Existem dezenas de rácios bolsitas ao dispor, divididos entre os que dizem respeito à análise fundamental e à análise técnica. Nesta última área, que recorre aos gráficos para captar tendências, é necessário um conhecimento mais profundo e que não está ao alcance de todos. Na análise fundamental, mais consensual entre os investidores, o foco está na evolução dos indicadores financeiros das empresas e das cotações dos títulos.
Os rácios, que também são conhecidos por múltiplos, medem a relação entre dois indicadores, que podem ser apenas financeiros, ou combinar com a cotação do título. São habitualmente aplicados a ações, mas também podem ser aferidos nos índices de ações ou outros produtos financeiros comparáveis.
Os rácios são bastante úteis para selecionar as opções mais atrativas, mas é um erro se forem analisados de forma isolada. Muitos podem fornecer informação enganadora, pelo que é recomendável que os investidores analisem uma série de rácios em conjunto. Analisar apenas os rácios também é redutor, pois é necessário avaliar os resultados como um todo, o momento da empresa e o setor e país onde se insere, bem como outros fatores.
Sendo o objetivo de qualquer o investidor comprar barato e vender caro, os rácios dão uma ajuda nesta difícil missão. Contudo, é necessário analisar os dados com cautela, pois olhar para o valor do rácio de forma estanque pode ser enganador. É necessário olhar para a evolução histórica e tentar compreender os motivos que levam uma empresa a apresentar um rácio muito desviado da média do setor.
Estes são os quatro rácios que os investidores devem ter em conta quando decidem investir numa empresa cotada.
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Price Earnings Ratio (PER)
O Price Earnings Ratio é o mais popular dos rácios bolsistas e o primeiro para que os investidores olham para tentar perceber se a ação está cara ou barata. Também é conhecido pelas iniciais (PER), ou P/E. Embora prevaleça a terminologia em inglês, em Portugal também é conhecido por P/L. As iniciais dizem respeito aos dois indicadores que são utilizados para calcular o rácio, pois este mede a relação entre o preço da ação e o lucro.
O rácio mede quantas vezes a cotação da ação é superior ao lucro por ação, sendo que também pode ser calculado através da divisão da capitalização bolsista pelo lucro anual. Na prática, diz ao investidor quantos anos terá de esperar para recuperar todo o investimento, no cenário teórico de a cotada devolver aos acionistas a totalidade dos lucros.
O PER é calculado tendo em conta os lucros dos últimos 12 meses (quatro trimestres), pelo que olha para o retrovisor. Daí que seja mais utilizado o PER estimado, que tem em conta os lucros previstos para os próximos 12 meses e permite captar as expectativas para a evolução dos resultados. Outra questão relevante diz respeito a que lucros são utilizados para o cálculo do rácio. Sendo que o resultado líquido é muitas vezes influenciado por fatores extraordinários (encaixe com venda de ativos ou custos não habituais), é mais frequente ter como base o lucro recorrente.
Em termos teóricos, quanto mais baixo for o PER, mas atrativo estará o preço da ação. Contudo, uma ação com um rácio inferior a outra até pode ser considerada mais cara. Tem tudo a ver com as perspetivas de crescimento. A empresa x com um PER de 15 vezes, mas que tem registado um crescimento sustentado dos lucros nos últimos anos e apresenta perspetivas favoráveis, pode estar mais atrativa do que a empresa Y que tem um PER de 10, mas com os lucros estagnados e sem tendência de melhoria.
É por isso que é importante olhar também para o “price earnings to growth ratio”, conhecido por PEG. É calculado pela divisão do PER pela taxa de crescimento dos lucros num determinado período, pelo que dá ao investidor uma ideia mais precisa sobre a atratividade do preço da ação.
O PER é utilizado sobretudo para comparar ações do mesmo setor e em fases de desenvolvimento similares. As companhias mais maduras apresentam habitualmente rácios mais contidos, enquanto as empresas em fase de crescimento e com potencial elevado negoceiam em bolsa com rácios mais elevados. Na prática, os investidores estão a pagar um prémio devido à perspetiva de estas empresas atingirem lucros mais elevados no futuro.
Este rácio também é utilizado para comparar índices acionistas, quer estes agrupem empresas de um setor ou de um país. Os índices de setores com crescimento mais acelerado, ou de países com maior preponderância destas companhias, negoceiam habitualmente com um PER mais elevado. É o caso dos índices das cotadas dos Estados Unidos, onde as companhias tecnológicas apresentam PER mais altos, comparando com os índices europeus, onde predominam empresas com resultados mais estáveis e de setores mais maduros.
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Price To Book Value (PBV)
Existe uma série de outros rácios que medem a relação entre a cotação da ação e outros indicadores financeiros que não o lucro. O P/EBITDA indica quantas vezes a cotação supera o EBITDA (lucro antes de juros, impostos, amortizações de depreciações) por ação. Sendo este um indicador mais fiel da atividade operacional das empresas, há investidores que preferem este rácio face ao PER. Os analistas também olham para a relação entre a cotação e outros indicadores da demonstração de resultados, como as receitas e o “cash flow”.
Há também uma série de indicadores que medem a relação entre a cotação e os indicadores do balanço, como os ativos e o capital. O Price To Book Value (PBV), que afere a relação entre a cotação e o valor contabilístico por ação, é um dos mais populares. É calculado através da divisão da capitalização bolsista da empresa pelo valor dos ativos subtraído das dívidas. Indica quanto se está a pagar por cada unidade do ativo líquido da cotada.
Na prática, o rácio mostra se a empresa está a ser avaliada em bolsa a um valor superior ou inferior ao montante que a companhia avalia os seus ativos no balanço. Habitualmente, se o rácio for inferir a 1, indica que o mercado não está a avaliar corretamente os ativos da companhia, ou que esta está a sobrevalorizar o valor dos ativos a nível contabilístico.
Em termos teóricos, este rácio mostra que resultado se obteria se a empresa fosse liquidada com a venda de todos os ativos. Se estes estiverem corretamente avaliados nas contas da companhia, então a cotada está barata se o PBV for inferior a 1.
Também neste rácio é necessária cautela numa análise simplista. Companhias que pertencem a setores com ativos de rentabilidade reduzida, como é o caso da banca, tendem a apresentar um PBV inferior a 1, sem que tal signifique que estão baratas. Por outro lado, cotadas com rácios muito acima de 1 podem não estar caras se os ativos intangíveis tiverem um peso significativo, como é o caso das tecnológicas e companhias do setor dos serviços.
Uma forma mais prudente de olhar para este rácio passa por utilizar o valor contabilístico tangível, ou seja, contabilizando apenas os ativos reais. É sobretudo relevante para analisar empresas mais tradicionais, pois não permite captar corretamente o valor de companhias onde o “goodwill” é significativo.
Tal como nos outros rácios, o PBV é sobretudo útil para avaliar a evolução histórica e comparar com companhias do mesmo setor. Se uma empresa tem um PBV baixo comparando com a concorrência, mas a tendência tem sido decrescente, é sinal de que não está a conseguir rentabilizar os seus ativos da forma mais eficiente. É também recomendável a análise conjugada com outros rácios. A combinação de um PBV baixo e um PER alto representa um sinal mais forte de que a ação está atrativa.
Dividend Yield
Uma das estratégias mais populares de investir em bolsa passa por apostar nas cotadas que remuneram os acionistas de forma mais generosa. A melhor forma de aferir a atratividade de um dividendo é através do “dividend yield”, rácio que também é conhecido por taxa do dividendo.
O cálculo é muito simples e resulta da mera divisão do dividendo por ação pela cotação do título. É apresentado na forma de uma percentagem, que mostra precisamente a rendibilidade da remuneração que a empresa está a pagar aos seus acionistas.
Quanto mais elevado é o “dividend yield”, mais atrativo é o dividendo. Mas é preciso analisar outros parâmetros, como a capacidade da empresa de manter o nível de remuneração, a parcela dos lucros que a empresa destina para pagar dividendos (“payout”), a existência de uma política de dividendos definida, bem como os indicadores financeiros da empresa.
Este rácio é sobretudo útil para comparar entre empresas. Um investidor que pretende apostar em cotadas com um histórico positivo de boa pagadora de dividendos, pode olhar para o “dividend yield” para selecionar as mais atrativas. Se combinar a análise com a avaliação de outros rácios, a probabilidade de acertar nas escolhas é mais elevada.
O “dividend yield” também serve para comparar a atratividade das ações face a outros ativos, como as obrigações. Neste caso é recomendável olhar para os rácios dos índices acionistas, por oposição às “yields” (rendibilidades) oferecidas pelas obrigações. Nos períodos em que as taxas de juro estão em níveis reduzidos, aumenta a atratividade das empresas com dividendos mais elevados.
Existem nos mercados acionistas muitas empresas que são comparadas a obrigações, precisamente por pagarem um dividendo atrativo e negociarem em bolsa com uma baixa volatilidade. Tal como nos títulos de dívida, os investidores recebem um pagamento regular (dividendo) num título com risco mais reduzido. Em Portugal, a REN é o exemplo mais paradigmático.
Um dos problemas deste rácio está no facto de várias empresas terem como política não remunerar os acionistas através do pagamento de dividendos. Por preferirem investir na compra de ações próprias (outra forma de remunerar os acionistas), ou utilizar os lucros para investir no desenvolvimento da atividade da empresa, por considerarem que cria mais valor para o acionista. É o caso sobretudo de empresas jovens e presentes em setores com crescimento acelerado e capital intensivo, que devem assim ser avaliadas através de outros rácios.
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Dívida Líquida/EBITDA
Os rácios referidos em cima medem sempre a relação entre a cotação e outro indicador. São estes que permitem aferir se a ação está cara ou barata. Mas também existem muitos rácios que são construídos através de pares de indicadores financeiros e que são muito úteis para os investidores avaliarem a saúde das empresas.
A relação entre o EBITDA e as vendas é muito utilizado pelos analistas e investidores, pois permite apurar a margem da empresa, ou seja, a parcela de lucro por cada unidade de receita. Entre companhias com rácios similares, é recomendável selecionar as cotadas com margens mais elevadas, pois indica que têm um maior poder de fixação de preços e por isso perspetivas de resultados menos voláteis.
Os rácios que combinam indicadores da demonstração de resultados e do balanço têm a vantagem de fornecer uma fotografia mais abrangente sobre o estado das finanças das empresas. O múltiplo que compara a dívida líquida com o EBITDA é um dos mais úteis, pois mede a alavancagem financeira da companhia e a capacidade de gerar resultados operacionais.
O rácio mostra quantos anos de EBITDA a empresa necessita para pagar toda a dívida, pelo que é mais atrativo quanto mais baixo for. Mesmo em empresas que apresentem um PER e “dividend yield” atrativos, pode ser um sinal de alerta se a dívida sobre o EBITDA se situar em níveis elevados. O endividamento alto representa mais custos financeiros que limitam os lucros e restringem a capacidade de pagar dividendos atrativos.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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