O desempenho histórico das bolsas europeias tem sido muito desfavorável nos últimos anos quando se compara com a prestação das congéneres mundiais, sobretudo as norte-americanas. Esta divergência tem sido muito evidente em 2024 e a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos contribuiu para agravar, ainda mais, o fosso entre o retorno dos principais índices acionistas dos dois lados Atlântico.
O Stoxx600, índice que agrupa as maiores cotadas europeias, valoriza 4,5% desde o início do ano, enquanto o norte-americano S&P500 sobe 24,1% e o MSCI World aprecia 19,8% no mesmo período. Desde o dia das eleições marcado pela vitória clara dos Republicanos, o índice europeu desvaloriza perto de 2%, enquanto o S&P500 valoriza mais de 2% e o índice que mede o desempenho das ações mundiais ganha mais de 1%. Enquanto as ações norte-americanas estão a negociar perto de máximos históricos, as europeias atingiram mínimos de três meses nas últimas sessões.
A diferença entre a valorização do Stoxx600 e do S&P500 está atualmente muito próxima dos 20 pontos percentuais, semelhante ao que aconteceu em 2020, e a margem anual negativa mais acentuada desde 1995. Comparando com as ações mundiais, o sub desempenho das ações europeias em 2024 é superior a 15 pontos percentuais, também um dos mais elevados deste século.
Tendo em conta os últimos 20 anos, só em cinco as ações europeias conseguiram um desempenho anual superior às norte-americanas. O último foi em 2022, sendo que, nesse ano, o retorno foi negativo para todos os principais índices. É necessário recuar a 2015 para encontrar um ano em que o Stoxx600 tenha registado uma valorização superior ao S&P500. Na comparação com o MSCI World, o índice europeu só leva a melhor em três dos últimos 20 anos.
Problemas estruturais
Esta discrepância na evolução das ações europeias e norte-americanas em 2024 não é explicada somente pelo regresso de Donald Trump à Casa Branca. São vários os fatores estruturais que se arrastam há anos e ajudam a explicar porque as ações europeias têm ficado sistematicamente para trás na escolha dos investidores globais ao longo deste século.
- Economia fraca. Entre 2006 e 2015 a economia da Zona Euro cresceu a um ritmo médio anual de 0,8%, metade do registado nos Estados Unidos. Até à pandemia, a atividade económica na Europa continuou mais fraca do que no outro lado do Atlântico e a diferença acentuou-se no pós-Covid. O PIB da Zona Euro cresceu 0,4% em 2023, deverá acelerar ligeiramente este ano (0,8%) e a expansão deverá persistir anémica nos próximos anos (1,2% em 2025 e até 2029 de acordo com as estimativas do FMI). Já a economia norte-americana cresceu 2,9% no ano passado, deverá manter o ritmo este ano (2,8%) e continuar acima dos 2% até ao final da década.
- Resultados crescem menos. Embora a Europa tenha muitas cotadas multinacionais e com exposição elevada ao mercado global, o desempenho mais fraco da economia europeia reflete-se de forma notória nos resultados e perspetivas para a evolução dos lucros das companhias sedeadas no “velho continente”.
De acordo com as previsões recolhidas pela LSEG para as empresas do Stoxx600 e do S&P500, os lucros das cotadas europeias devem crescer acima de 10% no terceiro trimestre, mas é apenas o segundo em alta após uma série de quatro trimestres de descidas. Nas maiores cotadas norte-americanas os lucros devem aumentar 8,8% no terceiro trimestre, sendo já o quinto trimestre seguido de variações positivas. Os analistas veem os lucros do S&P500 a crescer a dois dígitos a partir do primeiro trimestre de 2025, bem acima do projetado para as empresas do Stoxx600.
- Grandes cotadas estão nos EUA. Existe outro fator preponderante para o melhor desempenho de Wall Street e que também se reflete nos dois fatores descritos acima. É na bolsa norte-americana que estão as grandes empresas que têm dominado na inovação e no crescimento, com destaque para as companhias tecnológicas. Os números ilustram a enorme distância entre as cotadas europeias e norte-americanas nos últimos anos. A norte-americana Nvidia, que é atualmente a maior companhia do mundo, tem um valor de mercado que se aproxima da capitalização bolsista conjunta de todas as empresas que integram os índices DAX (Alemanha) e CAC (França).
A capitalização da maior tecnológica europeia (a alemã SAP) corresponde a um quarto do valor de mercado da Tesla, que é a empresa menos valiosa no lote das Sete Magníficas. Enquanto a bolsa norte-americana é dominada por companhias que estão na dianteira do desenvolvimento da Inteligência Artificial, na Europa destacam-se as companhias dos setores mais tradicionais, como é o caso da LVMH (luxo) e Novo Nordisk (farmácia). Mais um dado que exemplifica o domínio das empresas norte-americanas: o valor de mercado das companhias do S&P500 representa metade da capitalização bolsista de todas as cotadas mundiais, o que contrasta com o peso dos EUA no PIB (25%) e na população (5%) global.
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“America First” dá gás a Wall Street
Donald Trump venceu as eleições de forma clara à boleia de uma política fortemente protecionista, que defende o “America First” e é por isso desfavorável às empresas do resto do mundo. O Republicano prometeu implementar tarifas alfandegárias sobre a importações de produtos de companhias fora dos EUA, ao mesmo tempo que pretende reduzir impostos a empresas e famílias.
Embora a proposta que pode conduzir a uma guerra comercial global seja de eficácia duvidosa no médio prazo e ter potencial para fazer disparar a inflação, os investidores reforçaram a aposta nas ações das cotadas norte-americanas, considerando que serão as claras vencedoras com o regresso de Trump à Casa Branca. Além do impacto económico, a vitória do Republicano também causou dores de cabeça nas capitais europeias devido ao potencial para aumentar a turbulência geopolítica e aumentar a despesa do bloco europeu na área da defesa. Outro desenvolvimento que contribui para deprimir as ações europeias, mas os dois principais fatores estão relacionados com tarifas e impostos.
- Dupla penalização com tarifas. Trump prometeu na campanha introduzir tarifas generalizadas de até 20% aos produtos importados pelos Estados Unidos, que têm um volume anual de 3 biliões de dólares. Sobre os produtos comprados à China, as tarifas podem chegar aos 60%. As empresas europeias são visadas duplamente nesta política comercial agressiva, pois os produtos exportados para a maior economia do mundo vão ficar mais caros e a economia chinesa sofrerá um abalo considerável, penalizando um mercado cada vez mais relevante para a Europa e que já está a evoluir de forma débil desde a pandemia.
Tal como aconteceu no primeiro mandato de Trump, os Estados Unidos deverão negociar antes de introduzir estas tarifas “cegas”, mas o potencial para penalizar a economia global é tremendo. O presidente do banco central alemão, Joachim Nagel, admitiu que uma guerra comercial global pode custar 1% ao PIB da maior economia europeia, elevando a probabilidade de uma recessão na Alemanha. - Empresas dos EUA pagam menos impostos. Se as tarifas às importações representam uma vantagem considerável às empresas norte-americanas mais expostas ao mercado interno, a promessa de corte de impostos também representa um fator de atratividade de Wall Street. Depois de, no primeiro mandato, ter reduzido a taxa de imposto sobre as empresas de 35% para 21%, Trump pretende agora uma nova redução para 15%. A proposta de alívio da carga fiscal para as famílias (sobretudo as mais ricas) também é considerável, o que contribui para impulsionar a atividade económica. O próximo presidente dos EUA deverá implementar uma política de desregulação, que também é favorável às empresas.
Os analistas têm destacado o impacto positivo das propostas fiscais de Trump na avaliação das cotadas norte-americanas. O Goldman Sachs calcula que o efeito positivo nos resultados das firmas do S&P500 pode chegar aos 20% no médio prazo. A vitória de Trump nas eleições tem sido um dos principais argumentos utilizados pelos analistas nas diversas recomendações favoráveis para as ações norte-americanas que estão a ser publicadas neste final de ano.
Apesar dos fatores descritos neste artigo que jogam a favor do reforço da atratividade das ações norte-americanas, há outros que favorecem as ações europeias. Sobretudo ao nível das avaliações. Embora o Stoxx600 não esteja muito longe de máximos históricos, as cotadas do índice europeu estão a transacionar em bolsa a 13 vezes os lucros estimados para os próximos 12 meses, em linha com a média histórica dos últimos 20 anos (13,3x) e bem abaixo do pico registado em 2020 (acima de 18x). No S&P500 o rácio está acima de 22 vezes, o máximo de três anos e bem acima da média de 20 anos (15,8x).
E nem tudo são más notícias para os europeus com a vitória de Trump. Os economistas aguardam que o BCE acelere a redução dos juros para amortecer o impacto negativo das tarifas na economia, estimando que a taxa dos depósitos baixará para um nível neutral no próximo ano. A descida dos custos de financiamento, desvalorização do euro e maior rendimento das famílias pode traduzir-se num desempenho económico menos desfavorável, o que se acabará por se refletir no comportamento das bolsas europeias.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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