Os portugueses contam atualmente com mais literacia financeira do que há 10 anos. Ainda assim, o nível ainda está longe de ser o de excelência, como mostra o estudo divulgado pela Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM).
A maioria dos investidores portugueses são homens, com as mulheres a revelarem alguma aversão ao risco. A esmagadora maioria (87,14%) dos participantes no estudo tem depósitos à ordem e uma boa parte (41,32%) tem depósitos a prazo. Este são os dois principais produtos nas carteiras dos portugueses, sendo que 14,37% das pessoas tem um plano ou fundo de pensões, enquanto 12,37% tem um PPR (Plano Poupança Reforma). Tudo produtos que revelam que o investidor português tem um perfil conservador.
O estudo, intitulado Financial literacy for investors in the securities market in Portugal, foi divulgado no âmbito das comemorações dos 30 anos da CMVM e revela como estão os portugueses em termos de literacia finanças, analisando como os seus conhecimento técnicos, mas também teóricos.
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Portugueses poupam mais
São cada vez mais os portugueses que dizem poupar. O relatório divulgado pela CMVM mostra que a percentagem de inquiridos que diz “não poupar diminuiu de forma contínua dos 48% em 2010 para 41% em 2015 e 38% em 2020”.
Estes dados mostram que são cada vez mais as famílias que poupam. Ainda assim, poderá ser relevante realçar que em 2010 o país estava a atravessar uma crise financeira que culminou, em 2011, com um pedido de resgate à troika (Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia). A taxa de desemprego em 2010 fixou-se nos 10,8%, o que compara com os 6,8% registado em 2020. Ao mesmo tempo as taxas de juro estavam mais elevadas, em 2010 do que atualmente, o que implica que quem tivesse crédito à habitação tivesse encargos mais avultados.
Além destas questões macroeconómicas, há ainda outras questões que podem ajudar a justificar esta evolução. A crise financeira, que em Portugal incluiu o colapso de um banco e a perda de poupanças por parte de milhares de pessoas, levou a que a quantidade de informação disponível e a procura de informação por parte das pessoas também aumentasse.
Portugal, à semelhança da esmagadora maioria dos países, vive atualmente outra crise. Desta vez, provocada pela Covid-19. Os contornos desta crise são muito diferentes da última. Em março de 2020, o país fechou de forma generalizada e muitas famílias viram os seus rendimentos reduzidos. Ao mesmo tempo foram concedidas moratórias nos créditos, o que ajudou a equilibrar a balança.
Contudo, neste contexto de ausência de previsões para o regresso à normalidade, muitas pessoas reduziram os seus consumos. Tudo conjugado, levou a que muitas famílias aumentassem as suas poupanças de forma significativa. A taxa de poupança das famílias portuguesas aumentou de 7,1%, em 2019, para 12,8% no final de 2020, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Este é mesmo o valor mais elevado desde 2002, e reflete, precisamente, esta conjuntura.
Investidores conseguem lidar melhor com adversidades
A prática de criar uma poupança tem um “retorno” extra, além de ter a capacidade de fazer crescer a própria poupança. O facto de se conseguir gerar poupanças faz com que haja uma maior tranquilidade num período mais adverso. E esta questão também está refletida no inquérito.
“Os investidores mostram uma resiliência financeira mais elevada”, quando comparado com os inquiridos que dizem que não investem. 48% dos investidores dizem ter margem para cumprirem com os seus gastos por um período maior (seis ou mais meses), enquanto entre os que dizem não ser investidores apenas 23% diz ter esta capacidade. Esta diferença também pode ser explicada em parte pelo nível de rendimentos e nível de escolaridade. O inquérito revela que quanto mais elevados são os rendimentos e quanto maior o grau de ensino frequentado, maior a percentagem de inquiridos que têm investimentos.
Como se decidem os investimentos?
O que é que influência a tomada de decisão dos investidores portugueses? Com base em que informação tomam as suas decisões? Segundo o inquérito publicado, muitas pessoas recorrerem a funcionários de entidades bancárias e aos amigos e familiares, mas ainda há uma parcela considerável (8%) que decide investir num determinado produto com base na publicidade que viu. Ainda assim, a maioria dos investidores diz que as suas decisões são influenciadas por terceiros. E apenas 4% assume que as decisões são apenas suas, sem recurso a outros.
Entre os que recorrem a terceiros, a maior fatia (46%) diz que toma decisões com base em informação fornecida por pessoas do banco. E, logo a seguir, 38% das pessoas diz tomar decisões com base em informação recebida de família, amigos ou conhecidos.
Questionados por que razão decidiram investir em determinado produto/ativo, uma parte significativa dos investidores ativos (43%) diz que foi por aconselhamento do banco, sendo que 39% diz que a decisão foi tomada porque procuraram um retorno mais interessante do que o proporcionalizado pelos depósitos bancários, que nos últimos anos não têm tido retornos atrativos devido ao contexto de baixas taxas de juro.
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O peso da família e dos amigos nos investimentos
Muitos investidores assumem tomar decisões com base em informações partilhadas por pessoas que conhecem. Do total de inquiridos, 38% referiu que as suas decisões foram influenciadas por recomendações de familiares, amigos ou conhecidos. A principal fonte de informação continua a ser o gestor do banco, mas o papel dos familiares, amigos e conhecidos é relevante.
Além disso, uma parcela significativa dos inquiridos com investimentos ativos (32%) assumiu que tomou decisões de investimentos porque amigos, conhecidos ou familiares também investiram naquele produto ou ativo.
Conhecimentos financeiros
O relatório revela também que os conhecimentos financeiros da população são cada vez maiores, contudo longe do recomendável. O inquérito avaliou se os inquiridos conseguiam calcular os juros que receberiam por uma poupança, sendo que a maioria (67,7%) respondeu corretamente para um investimento a um ano, contudo quando questionados sobre quanto dinheiro teriam ao final de cinco anos numa poupança com juros compostos, a percentagem de respostas certas cai para 44,6%.
E quando as perguntas abordam questões que obrigam a maiores conhecimentos, as respostas corretas diminuem. Apenas 18% dos inquiridos responderam corretamente sobre o que significa um investimento ter garantia de capital na maturidade e apenas 18% sobre o que é a taxa Euribor.
No inquérito houve também perguntas direcionadas a antigos investidores. O estudo quis saber o que levou estas pessoas a deixarem de ter investimentos. 31% revelou ter precisado do dinheiro, enquanto 19% considerou que estes investimentos eram demasiado arriscados. 17% diz não ter conhecimentos suficientes e 16% diz ter perdido dinheiro. E porque é que perderem dinheiro? 62% dos inquiridos considera que foi “por alterações no mercado”, enquanto 26% considera que foram mal aconselhados.
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Mulheres são mais adversas ao risco
As mulheres investem menos do que os homens, esta é uma das conclusões do estudo. E as suas tomadas de decisão são baseadas nos conselhos do gestor bancário (49%) e com a perspetiva de conseguirem ter um retorno maior do que aquele conseguido com os depósitos.
O inquérito releva ainda que identificou diferenças de conhecimentos entre homens e mulheres, com estas últimas a darem menos respostas corretas. “Estes resultados sugerem que os investidores têm um maior conhecimento financeiro, o que pode ser justificado pela sua maior exposição aos mercados financeiros, bem como às notícias e informação económica”, salienta o inquérito.
A maioria dos inquiridos diz estar confortável a tomar decisões de investimento, com mais de 60% dos homens e das mulheres a responderem desta forma. Contudo, os homens revelam ser mais confiantes do que as mulheres na hora de investir. A percentagem de mulheres que diz não estar nada confortável com investimentos (30%) é quase o dobro da percentagem de homens (17%).
Para as mulheres a maior prioridade é não perder dinheiro. Mais de metade das participantes femininas (54%) identificaram esta como sendo a principal preocupação de quando investem, uma percentagem maior do a dos homens (41%).
Estas são as principais conclusões do inquérito divulgado esta terça-feira pela CMVM, durante o seminário "Literacia sobre mercados de capitais em Portugal: diagnósticos e desafios", que contou com a participação de Rui Bairrada, CEO do Doutor Finanças, num painel que abordou os desafios da literacia financeira.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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