Temos assistido, a nível internacional e nacional, a uma preocupação crescente em relação à desproteção, a que chamamos gap de proteção. Vivemos um tempo de incerteza, mudança e de riscos a diversos níveis, e é nestes momentos que nos devemos perguntar se estamos preparados para enfrentar possíveis desafios futuros.
Este é o momento de olharmos para os seguros como uma aposta financeira na resposta a momentos mais difíceis e na segurança da nossa carteira.
Não é de um seguro de saúde que falamos, é de futuro
Apesar de termos consciência da existência de riscos, continua a existir uma desproteção (um gap de proteção) preocupante que poderá ter efeitos a vários níveis, como aumentar a vulnerabilidade financeira das pessoas e as desigualdades sociais, aumentar as despesas do Estado em resposta a momentos de crise, ou aumentar o risco financeiro das empresas e o risco de abastecimento nas cadeias de valor das mesmas.
Podemos afirmar que as consequências diretas da desproteção representam um significativo desafio para o bem-estar e prosperidade económica das pessoas e das sociedades.
Este é, assim, um tema que não é só responsabilidade dos governos e das seguradoras, mas, também, nosso.
Mas afinal o que é o gap de proteção?
Numa perspetiva de seguros, e de um modo simplificado, o gap de proteção refere-se à diferença entre perdas seguradas e não seguradas.
A modo de exemplo, comecemos com o risco das alterações climáticas, que pode impactar vidas, bens físicos (como casas e bens pessoais ou empresariais), meios de subsistência (por exemplo, no caso de perdas agrícolas) e, por fim, as economias a nível de governo (nos custos de “recuperação”), e, claro, a economia de cada pessoa.
Em 2023, apenas 38% das perdas económicas globais decorrentes de catástrofes naturais estavam cobertas por seguros, segundo, o relatório SIGMA 2024, da Swiss Re. Se olharmos para a União Europeia, segundo a Autoridade Europeia para Seguros e Pensões Ocupacionais (EIOPA), em 2023, apenas cerca de um quarto de todas as perdas causadas por catástrofes relacionadas com o clima estavam seguradas. Em Portugal apenas entre 5% e 20% dos danos em eventos climáticos estão seguros.
Ou seja, em Portugal, na visão mais otimista dos 20% de cobertura, cerca de 80% das perdas em eventos climáticos tiveram de ser suportadas pelo Estado e pelos particulares (sejam pessoas, que perderam bens em eventos climáticos, sejam empresas). Podemos assim, dizer que o gap em eventos climáticos é bastante significativo e tem impacto no bem-estar financeiro, das pessoas, empresas e até do governo.
Antes de abordar um exemplo social, é necessário realçar que as lacunas de proteção são mais subjetivas e nem sempre fáceis de medir. Por exemplo, em Portugal temos sistemas públicos que nos protegem tanto em saúde como na proteção financeira associada à reforma (pensões). No entanto, a proteção pública nem sempre suprime todas as necessidades e por isso é importante termos em atenção as nossas despesas atuais e futuras, os riscos e como queremos fazer face a imprevistos.
As alterações demográficas são, nos dias de hoje, uma pressão sem precedentes sobre os sistemas de pensões a nível mundial. Segundo a Pordata, Portugal é, o segundo país da União Europeia com maior índice de envelhecimento e o quarto país do mundo com maior percentagem de população idosa (com 65 anos ou mais).
O gap de proteção, em relação às pensões de reforma, corresponde à diferença entre o valor da pensão a ser recebido – com base nos descontos acumulados ao longo do período de vida ativa de cada pessoa – e o rendimento necessário para garantir um padrão de vida adequado. O conceito de pensão adequada é, assim, subjetivo, e leva-nos a relacionar a pensão com o risco de pobreza. E, como a pensão que recebemos do Estado depende do salário recebido ao longo da vida ativa, por mais elevada que a taxa seja nem sempre é suficiente para garantir um padrão de vida adequado.
Por exemplo, no caso de Portugal, apesar da taxa de substituição das pensões públicas ser a segunda mais alta da União Europeia (74%), cerca de 17% da população em risco de pobreza financeira é população idosa, segundo o relatório Protection gaps na economia portuguesa, da Nova SBE e da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF).O que sugere que nem sempre as pensões que recebemos do Estado chegam para fazer face às necessidades e custos de vida, logo os mecanismos complementares de pensão são significativos na mitigação de risco de pobreza na população idosa.
Ou seja, prepararmo-nos pessoalmente para a reforma é importante como um complemento às pensões públicas, para que tenhamos um rendimento necessário para garantir um padrão de vida adequado e mitigar riscos de despesas muitas vezes associados à longevidade, tais como saúde e cuidados e serviços especializados.
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Porque é importante olharmos para o gap de proteção?
Falar do gap de proteção é falar de como as sociedades, as economias e as pessoas são resilientes a eventos inesperados com efeitos financeiros, como catástrofes naturais, doença ou acidente, perda de bens por roubo ou outra causa, saída da vida ativa, entre outros. Uma lacuna significativa de proteção reduz a capacidade financeira das economias, das empresas e das pessoas para recuperarem face a estes eventos. E a falta de seguros torna a recuperação ainda mais difícil.
Vivemos tempos de mudança e incerteza, o que implica níveis mais elevados de risco, e é essencial que as organizações e as pessoas tomem consciência dos seus riscos seja de saúde, património/bens ou rendimentos. É necessário, assim, que nos perguntemos quais os nossos riscos e necessidade e se estamos ou não devidamente protegidos e o que podemos fazer para estarmos mais preparados e financeiramente protegidos.
Entender os riscos para fecharmos o gap de proteção
Em modo de conclusão podemos afirmar que existe a necessidade da literacia do risco e do seguro. Precisamos de entender, conhecer e ser sensíveis aos riscos atuais e futuros. Não é a mentalidade do medo, é antes a mentalidade do conhecer para mitigar, prevenir e tomar medidas e decisões para estarmos mais preparados (seguros) caso algum imprevisto aconteça.
Não podemos contar que o governo irá compensar-nos por todas as perdas, isso não é possível. Não podemos continuar a ter sociedades onde o risco moral persiste, ou seja, onde as pessoas não se esforçam para reduzir os seus riscos, porque acreditam que de algum modo se algo de mal acontecer serão compensadas e apoiadas pelas suas perdas.
Assim, numa altura em que tanto se fala da necessidade de literacia financeira é importante termos em conta que a literacia do risco e a literacia do seguro fazem parte deste conhecimento financeiro, que é tão importante para o bem-estar da sociedade e de cada pessoa.
Estamos habituados a resultados a curto prazo, no entanto ter um seguro é parte da arte de poupar. Eu vou poupar agora, mesmo que a curto prazo pareça que só estou a gastar, para se mais tarde precisar de fazer face a um imprevisto financeiro, que sei que sem um seguro não terei capacidade para o enfrentar ou que me pode colocar em situação de vulnerabilidade social e financeira.
Por outro lado, a desproteção e a não tomada de medidas de mitigação e adaptação, a par da necessidade de uma resposta inovadora e concreta das seguradoras e dos governos, é colocar o futuro em risco, podendo afetar cada vez mais as economias e a estabilidade das sociedades, de cada família, de cada pessoa.
De um modo simples, olhar para os seguros e para o gap de proteção, é, então, olhar para o futuro. Pensar em seguros deve ser pensar em que situações posso precisar e não ter dinheiro ou ficar numa situação de vulnerabilidade financeira. E aí perguntar-me se tenho condições para mitigar o risco e proteger-me financeiramente em relação ao mesmo.
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