É muitas vezes silenciosa. Afeta portugueses de todas as idades. Falo de ansiedade financeira neste Dia Mundial da Saúde Mental.
Face ao contexto de incertezas económicas a nível mundial, determinados grupos em Portugal são particularmente afectados. De acordo com o Banco de Portugal, em especial desde 2021, tem-se notado um crescimento significativo desta preocupação entre jovens adultos, indivíduos desempregados e famílias monoparentais, a par de outros grupos vulneráveis como os seniores, as pessoas com baixos rendimentos ou baixo nível de escolaridade, e as mulheres.
Estes grupos enfrentam desafios únicos que exacerbam as suas preocupações financeiras. Os jovens adultos deparam-se com um mercado de trabalho instável e escassos recursos de acesso a habitação própria e consequentemente à sua autonomia; as famílias monoparentais lutam para atender às necessidades dos seus filhos com recursos muito limitados; e os desempregados enfrentam incertezas contínuas, num mercado de enorme precariedade laboral.
Concentre-se no comportamento, não no resultado
É neste contexto que a Psicologia e os psicólogos podem desempenhar um papel vital, nomeadamente no desenvolvimento de estratégias adaptadas. E não apenas para ajudar a lidar com a ansiedade e o stress financeiro, prevenindo as suas repercussões na saúde mental, mas também para capacitar as pessoas a tomar decisões sobre as suas finanças e a sua saúde.
A inclusão, em 2018, da Ordem dos Psicólogos Portugueses no Conselho Nacional de Supervisores Financeiros evidenciou o crescente reconhecimento da importância do papel da Psicologia no contexto financeiro. Uma colaboração estreita entre especialistas financeiros e psicólogos aumenta o garante de que as preocupações e necessidades de saúde psicológica dos cidadãos sejam consideradas nas decisões e políticas financeiras do nosso país.
A literacia financeira e o conhecimento sobre os processos relacionados com a ponderação cognitiva de alternativas financeiras ou de alternativas de comportamento, com as motivações e planos de vida das pessoas, com estratégias de tomada de decisão financeiras, ou com a gestão e autorregulação emocional, são áreas em que a Psicologia pode fornecer insights valiosos.
Por exemplo, os jovens adultos que se sentem pressionados pela baixa expectativa de independência financeira beneficiariam de tomar decisões mais informadas, de estratégias de gestão da ansiedade, de um planeamento financeiro adaptado às suas circunstâncias e de intervenções focadas na construção de mais resiliência.
Literacia financeira não é apenas uma questão de entender números e mercados. É também um entendimento de como a mente humana processa, reage e toma decisões sobre informações financeiras, de como as pessoas se comportam perante determinadas circunstâncias de vida difíceis, e como isso afeta a gestão das suas finanças, de como percecionam o risco ou do porquê dos seus comportamentos de procrastinação.
Como evitar a ansiedade financeira?
É importante que se identifiquem os vieses cognitivos, as emoções e os comportamentos que estão na base de más decisões financeiras ou de decisões sub-otimizadas.
A atenção mediática dada à crescente preocupação com a ansiedade financeira entre os portugueses destaca histórias humanas por detrás dos números, mas acima de tudo sublinha a necessidade urgente de abordagens mais abrangentes, que considerem tanto a saúde financeira quanto a saúde mental, ampliando a consciência pública e política, e impulsionando as entidades competentes a tomar medidas mais efetivas.
É crucial que se criem políticas públicas que reconheçam a interligação entre saúde mental e estabilidade financeira.
Os decisores políticos devem trabalhar em colaboração com psicólogos para desenvolver soluções que abordem as necessidades específicas da população e dos grupos que sentem mais profundamente o impacto do contexto económico na sua saúde e bem-estar.
Os decisores políticos e todas as estruturas e entidades que têm como missão prover a população de literacia em saúde e literacia financeira, e de melhores decisões financeiras, devem pensar em medidas que apoiem a recuperação social e económica, a saúde e o bem-estar do país.
Especialista em Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações e em Psicologia da Educação. Vice-Presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), responsável política pela pasta da Educação. É membro do Conselho Consultivo do Conselho Nacional de Saúde Mental e do Conselho Consultivo das Academias Gulbenkian do Conhecimento, em representação da OPP.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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