Parece que já estamos a ouvir a ouvir algumas vozes: «Músicos? Cançonetas? Concertos? Têm a vidinha fácil, é o que é! Sim, que falar de dinheiro quando se tem muito… Assim também eu filosofava sobre o assunto!» Se for o caso, tudo bem, por aqui somos a favor da liberdade de expressão. De qualquer forma, os Beatles serão sempre os Beatles. E temos conhecimento de um caso (pelo menos) em que um discurso de bota-abaixo até acabou por contribuir diretamente para engordar a conta bancária de uma banda…
The Beatles - Can’t Buy Me Love (1964)
No clip retirado da segunda aparição do grupo no programa “Ready Steady Go!”, Lennon, McCartney e Harrison surgem agarrados às suas guitarras, de frente para Ringo e a sua bateria, rodeados por dezenas de adolescentes tremendamente excitados, a baterem palmas e a abanarem as ancas e a cabeça. Ao verem os seus ídolos, compostos na vestimenta de fato e gravata enquanto revolucionam o mundo da música (por exemplo, este tema começa logo pelo refrão), algumas raparigas dão os tradicionais gritinhos, especialmente quando o grupo prolonga a palavra looooove.
O dinheiro, nesta canção, é visto como algo de pouca importância, por não conseguir comprar o amor de alguém. Será? No início, pelo sim pelo não, o protagonista da letra até promete oferecer um anel de diamantes, «se isso te fizer sentir bem», pois não se importa lá muito com o seu saldo monetário. «Dou-te tudo o que tiver para dar, se me disseres que também me amas», propõe ele, na esperança de que a rapariga, lá no fundo, não seja materialista. «Diz que não precisas de anéis de diamantes, e eu vou ficar satisfeito / Diz-me que queres aquele tipo de coisas que o dinheiro simplesmente não pode comprar.» Se assim for, são capazes de formar um par mais em sintonia…
Pink Floyd – Money (1973)
O efeito sonoro de uma caixa registadora a faturar tornou-se icónico nesta canção da banda britânica que, ao longo da sua carreira, não se coibiu de abordar – quase filosoficamente – temas controversos e complexos como a guerra ou o capitalismo. O videoclip acompanha a música com imagens literais de riqueza, como mansões luxuosas, jatos privados, casacos de pele, joias, latas de caviar, carros desportivos, lanchas e iates. O mundo dos capitalistas é o do progresso citadino das pontes, viadutos e arranha-céus, das corridas de cavalos, dos casinos, das gentes engravatadas, dos corretores da bolsa de Wall Street, das obras de arte com a sua etiqueta de preço exorbitante.
O poder do dinheiro é tal que pode transformar pessoas normais em gente gananciosa. «Agarra esse dinheiro com as duas mãos e junta-o em montes», sugere a letra. Depois, é preciso manter todos os restantes longe desse pecúlio e usá-lo em proveito próprio: carros topo-de-gama, hotéis de luxo, viagens em primeira classe. Caso apeteça, até se compra uma equipa de futebol. Tudo bem, essa ideia de distribuir justamente o dinheiro pode ser bonita, «mas não tirem uma fatia da minha parte».
Em contraponto com esta vida de milionário, mostram-se imagens de mineiros a descerem às entranhas da terra, sem-abrigo a dormirem no jardim, carregadores de fardos à cabeça. Gente a ser explorada, num mundo à beira da implosão, aqui ilustrada por motins, repressões violentas e explosões de vinis dos… Pink Floyd. «Dizem que o dinheiro é a raiz de todo o mal», canta-se. «Mas, se pedires um aumento, não será de espantar que eles se neguem a dar-te mais dinheiro.» Enquanto isso, a caixa registadora dos ricos lá continua a amealhar, sob a paisagem visual e sonora de cascatas de moedas que jorram sem parança.
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ABBA - Money, Money, Money (1976)
Entre os inúmeros êxitos dos ABBA, os suecos deram-nos em 1976 este hino ao dinheirinho. Ou melhor, a quem gostava de o ter. Frida assume a cantoria da letra sobre uma mulher trabalhadora que sonha com uma vida de rica. «Trabalho dia e noite para pagar as contas que tenho para pagar. Não é triste? E, ainda assim, nunca parece sobrar um tostão que seja para mim.» Mas ela tem um plano: e se arranjasse um homem rico? Ah, então, ela nem precisaria de continuar a trabalhar. Podia só divertir-se à grande! É curioso como o teledisco representa esta vida de luxos: uns montinhos de moedas, meia dúzia de notas (de um dólar!), uns anéis de brilhantes, uma garrafa de champanhe... Os ABBA, na altura, já tinham belas quantias sob os seus nomes. Porém, a imagem de uma vida abastada surge algo modesta e clássica: os quatro num descapotável, eles de fato e gravata, elas com uns vestidos simples a que umas peles e uns chapéus procuram dar um ar mais chique.
No final, ficamos a pensar que a protagonista da canção nem será um daqueles casos de ambição desmedida. Para ela, o mundo de um homem rico, além de cheio de muita nota, deve ser sempre soalheiro. E quanto ao sonho dela de casar bem? Nem nisso ela acredita. «Um homem desses é difícil de encontrar», queixa-se. «E se por acaso ele estivesse livre, aposto que não iria gostar de mim.» É impossível não simpatizar com a moça que só vê uma hipótese de ficar rica: partir para Mónaco, ou Las Vegas, e ganhar uma fortuna ao jogo. Ah, se ela tivesse algum dinheiro… É que isto é um mundo de ricos, não sabiam?
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The Dire Straits - Money For Nothing (1985)
Em agosto de 1987, o inovador videoclip de Money for Nothing marcava a estreia do canal MTV Europe e aumentava ainda mais a escala do sucesso atingido pela música editada dois anos antes. Tornou-se mítico o início em crescendo, com a voz de Sting a anunciar I want my MTV, seguido do riff da guitarra de Mark Knopfler. A história contada pela animação computorizada – então uma novidade – baseou-se, ao que parece, num acontecimento real. Entre várias fontes e versões ligeiramente diferentes, diz-se que Knopfler versou para a letra os comentários feitos pelo funcionário de uma loja de eletrodomésticos. Enquanto espreitava o que estava a dar na televisão, ligada na MTV, ele queixava-se do seu trabalho («Temos de instalar micro-ondas, temos de carregar estes frigoríficos e estes televisores a cores»); quem tinha uma bela vida eram aqueles, os músicos, que faziam “dinheiro por nada” e ainda tinham “raparigas de graça”. «Aquilo não é trabalhar», ouve-se a certa altura. Para o líder dos Dire Straits, o discurso do funcionário era representativo do que muitas pessoas pensavam: quem trabalha na indústria musical tem uma vida fácil.
A revolta do protagonista é tanta que até recorre à ofensa pessoal. «Estás a ver aquele mariquinhas com maquiagem e brinquinho? Aquele maricas tem o seu próprio avião a jato. Aquele maricas é um milionário.» No fundo, que faziam os músicos senão tocar guitarra e bater nuns tambores? Pois sim, “dinheiro por nada”. Deve ser a ironia das ironias: com base na frustração de um trabalhador, criou-se um tema que foi um êxito planetário e ficou para a história como uma das canções de rock mais famosas da década de 1980.
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