Os exemplos negativos são tantos que não podemos perder tempo. Comecemos imediatamente a desbravar caminho, ou melhor, a listar os inúmeros alertas que nos afastam da palavra. «Os homens sobem por ambição e por ela vêm ao chão», avisam, que é outra forma do muito famoso e já bem antigo «Quem tudo quer, tudo perde». Ao que parece, a ambição toca principalmente aos que já têm bastante, se levarmos por verdadeiro este «Quanto maior é a riqueza, maior é a ambição» ou o delicioso «Entre cem projetos de um rico, há noventa e nove para o tornar mais rico», do Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios (1936). Diga-se que o verbo “querer”, aliás, tem vasta utilização, pois parece só significar problemas. Eis algumas variantes:
«A quem tudo quer nada se lhe dá.»
«Tudo falta a quem tudo quer.»
«Quem quer mais do que lhe convém perde o que quer e o que tem» (frase que no Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios, do Major Hespanha, é atribuída ao padre António Vieira).
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Um oásis no meio do deserto
Mais vale não desejar, ao que parece. «Quem nada deseja, nada lhe falta», sussurram-nos ao ouvido esquerdo. «Tem tudo o que lhe apraz quem com pouco se satisfaz», murmuram-nos ao ouvido direito. «A ambição parece sempre começar por onde devia acabar», sentenciam do alto. «A ambição é filha do orgulho», acusam de baixo. Não há para onde nos virarmos, que isto da ambição, afinal, não é só para uns: «Passarinhos e pardais, todos querem ser iguais». Mas, pardalitos ou não, como bem se sabe, «Mau é ter os olhos maiores do que a barriga.»
Fiquemos, pois, pelo poucochinho, contentados por vivermos à sombra dos ditados populares «Logra tu o teu pouco, enquanto busca mais o louco» e «Mais vale ganhar no lodo, que perder no oiro». Mas não haverá nenhuma forma de ambição que possa ser encarada positivamente? Encontram-se poucas nos rifões populares. Talvez esta, a lembrar que «homem ambicioso não é preguiçoso». Mas é sol de pouca dura. Se formos escutar as ideias do conselheiro Rodrigues de Bastos, a ambição é coisa de fugir a sete pés. Coisa de gente má. É que, segundo o autor da Coleção de Pensamento, Máximas e Provérbios (1847), se encontrarmos um ambicioso podemos estar perante um:
Criminoso – «A ambição e a avareza são dois elementos que entram na composição de quasi todos os crimes: uma é insaciável, a outra não tem limites.»
Vicioso – «A ambição é uma das paixões mais perigosas, pois é o foco de quasi todas as outras; e a origem da maior parte dos vícios que perturbam a sociedade.»
Colérico – «A ambição, assim como a cólera, é muito má conselheira.»
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Se ainda não chegar, faz-se mira ao coração
Mas há mais. A ambição é insaciável («O termo da ambição é como o horizonte; ele recua à medida que se avança»), perturbadora («Abrir a alma à ambição, é fechá-la ao sossego») e escravizante («A ambição não sujeita os homens a menos servilismo, do que a miséria e a fome»). É caso para dizer, tudo bem, não ambiciono mais nada, deixem-me lá da mão. Mas, como se ainda não bastasse, eis o conselheiro e outros amigos seus das máximas e sentenças a falar-nos ao sentimento. «De todas as nossas paixões, a que nos desvia mais da felicidade é a ambição; ainda que, para a alcançar, nada nos ponha tanto em movimento, como ela.» Ui, lá se foi a felicidade. «Quando a ambição se apodera da alma, dissipa todos os outros sentimentos.» Ai, lá se foram os sentimentos. «A ambição e a felicidade tem caminhos mui diferentes, para que possam encontrar-se.» Pronto, agora é que a felicidade se perdeu para sempre.
Vem aí, porém, o golpe definitivo: «A ambição é uma amante pérfida, que assassina aquele que a sustenta.» Assassinato por ambição? Fomos ao tapete, ouvimos a contagem decrescente do juiz e nem pensar em nos tentarmos levantar. Bem vemos que o conselheiro e os seus comparsas, do lado de fora do ringue, se preparam para recitar mais algumas máximas para, se for preciso, nos derrubarem novamente. Nem pensar. Já chega de massacre. Os outros que fiquem com a ambição todinha!
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