Em 99 Homes (99 Casas, 2014), inspirado em acontecimentos reais, a ganância é o único jogo conhecido por Rick Carver (Michael Shannon), um agente imobiliário apostado em lucrar com as consequências da grande recessão de 2008. Cabe ao ator Andrew Garfield representar uma das vítimas desses tempos negros em que milhares de pessoas perderam as casas por não conseguirem pagar os empréstimos habitação ou as hipotecas.
Recém-desempregado, a viver com o filho e a mãe, Dennis Nash vê-se impossibilitado de evitar o despejo. A não ser que… Caso decida juntar-se ao agente imobiliário e aceitar a tarefa de ser ele a tirar as casas a outros 99 inquilinos, então, poderá manter o seu imóvel.
Uns contra outros (mesmo estando no mesmo barco)
Quando Carver apresenta o seu plano maquiavélico, Dennis acaba por confrontar-se com uma escolha difícil: proteger a própria família, pondo de lado os seus princípios, ou manter-se fiel a si mesmo e com isso colocar o filho e a mãe a viverem na rua. E neste dilema reside um dos temas do filme, ou seja, a forma como o sistema consegue colocar pessoas que estão na mesma situação a combaterem-se entre si. De repente, até o cordeirinho mais manso se vê obrigado a vestir a pele de lobo, caso queira sobreviver.
No cenário da soalheira Flórida, o realizador Ramim Bahrami explora o assunto de forma sóbria, dando espaço e tempo para que o dilema moral se infiltre de modo quase insidioso na cabeça do personagem (e na nossa também). Qualquer das alternativas é insatisfatória. É um jogo em que o peão nunca pode ganhar; o vencedor, no fundo, será sempre o rei.
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Um país feito para os vencedores
O rei, neste caso, é Rick Carver, o agente imobiliário todo-poderoso, o homem que não dá margem de manobra às emoções e que conhece os esquemas de fraude para roubar dinheiro aos bancos e ao governo. Mas Carver não representa apenas a salvação da casa de família; ele representa uma via-rápida para o enriquecimento. E torna-se difícil a Nash não o encarar como um salvador.
Rick Carver: Não sejas um mole. Achas que a América liga alguma coisa a ti ou a mim? A América não resgata perdedores. A América foi construída com base no resgate dos vencedores. Manipulou-se uma nação de vencedores: pelos vencedores, para os vencedores. Nash, tu costumas ir à Igreja?
Dennis Nash: Claro.
Rick Carver: Só um de entre cem é que vai entrar naquela Arca, rapaz! E todas as restantes pobres almas vão-se afogar. Eu não me vou afogar.
Um líder carismático e uma mão-cheia-de-nada
Pois bem, quem parecia pronto para nadar vários oceanos de seguida e acabou por se ver debaixo de água foi o protagonista do documentário WeWork: Or the Making and Breaking of a $47 Billion Unicorn. O termo unicórnio, associado ao mundo empresarial, significa uma startup que atinge o valor dos mil milhões de dólares, e isto antes de estar cotada em bolsa. Por outras palavras, um caso de incrível sucesso, tal como aconteceu com a WeWork de Adam Neumann, que invadiu o mercado imobiliário nova-iorquino para instalar espaços de escritório destinados ao público dos nómadas digitais.
Mais do que um mero gabinete de trabalho flexível, a companhia conseguiu criar uma verdadeira comunidade, recorrendo a alguns pozinhos capitalistas; os espaços encheram-se rapidamente de gente jovem, empreendedora, cheia de ideias e com grande vontade de atingir o sucesso. De certa forma, aqueles novos espaços de co-working representavam espaços de contracultura. Ali, vivia-se o oposto das grandes e antiquadas empresas. Levava-se muito a sério o lema “Trabalho no duro, diversão à grande”, pelo que não faltavam eventos memoráveis e radicais, regados a álcool. E, a colar tudo, o chavão de que a comunidade estava a tornar o mundo num sítio melhor, enquanto ganhava dinheiro com isso.
À volta de Neumann formou-se uma espécie de culto. Ele era o líder carismático que atraía e encaixava as pessoas mais porreiras. O resto do mundo até podia ser cinzento e feio, mas ali, inseridos naquele oásis, todos sentiam estar a cumprir a sua vocação.
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Como se abate um unicórnio dos espaços de escritório?
Depois dos escritórios partilhados, o novo modo de viver estendeu-se aos espaços “WeLive”, sítios de 20 metros quadrados, prontos a habitar, idealizados para millenials solteiros. Que interessava o espaço apertado? O importante era a comunidade, aquela sociedade utópica, vincadamente despreocupada, agregada em redor de uma cultura altamente masculinizada.
O documentário centra-se nas turbulentas seis semanas que deitaram abaixo a empresa que chegou a estar avaliada em 47 mil milhões de dólares. Este unicórnio, afinal, era uma fantasia. Tanto para o exterior como para o interior, a WeWork fazia os impossíveis por estar envolvida numa cortina de fumo. Os funcionários aceitavam salários mais baixos em troca de opções de ações da empresa, pois acreditavam cegamente na visão do líder; pensavam que poderiam ficar milionários, mesmo perante as claras distinções entre Neumann – com direito a um jato de 60 milhões e um escritório enorme – e os restantes, apinhados nos espaços de trabalho e a dormirem em cubículos. E a imagem de sucesso que constantemente era passada para os media, associada a alguma engenharia financeira, mantinha a empresa atrativa para os investidores.
Adam Neumann fingiu enquanto pôde. Depois, a verdade veio à tona. Zero lucros. E nem a mulher do fundador, com toda a sua espiritualidade, conseguiria salvar este falso unicórnio de colapsar, afundando-se como um dos grandes casos modernos de fraude empresarial.
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