Os golpes do baú podem dar filmes e livros incríveis, mas as fraudes na vida real não têm nenhum glamour. Numa era em que somos inundados de emails a prometerem riqueza imediata e SMS que nos solicitam ações urgentes para ajudar um filho que perdeu o telemóvel ou reforçar uma conta bancária que ficou, subitamente, com saldo devedor, sugerimos que relaxe com um mini videojogo. E, ao mesmo tempo, que aprenda algumas coisas sobre as extraordinárias táticas usadas pelos burlões.
Fama? Não, não, queremos é ser infames!
Con’em if You Can, que podemos traduzir livremente como “engana-os, se conseguires”, tem como cenário a pictórica Shady Acres. Nesta espécie de Flórida, a comunidade residente deu-se bem na vida. E, se há dinheiro disponível para ser gasto, há quem o queira apanhar. O senhor Connor, um vigarista de primeira divisão, está disponível para ser o nosso mentor. «Mantém-te comigo, miúdo, e ficarás infame», assegura.
O escasso cabelo penteado para um dos lados, de forma a tentar esconder a careca, é sinal inequívoco de estarmos perante um artista da vigarice. Confiemos nele para escaparmos ao olhar de falcão de Fiona, agente da Agência de Combate à Fraude. Vamos precisar de muita esperteza para conseguir escapar ao radar dela, enquanto tentamos ludibriar os nossos alvos. Se jogarmos bem as nossas cartas, até somos capazes de conseguir enganar Catsby, o peixe-graúdo mais apetecível de Shady Acres. Por detrás do seu monóculo, ele mostra-se convencido de estar a salvo: «Não terá sido por ter ido na conversa de burlões que enriqueci. Você vai precisar de todos os truques fraudulentos que existem para conseguir que eu caia num dos seus esquemas.»
Perceber a vítima para escolher a tática
Então, que ferramentas temos ao nosso dispor para enganar os habitantes da pacata Shady Acres? O videojogo, desenvolvido pela fundação para a educação de investidores pertencente à Autoridade Regulatória da Indústria Financeira norte-americana, pretende alertar para as diferentes táticas de persuasão usadas pelos burlões. Nos Estados Unidos, segundo pesquisas financiadas pela fundação, as fraudes de investimento ascendem a mais de 50 mil milhões anuais; e oito em cada dez pessoas são alvo de uma proposta potencialmente fraudulenta. No jogo, pedem-nos que sejamos um desses trapaceiros. Querem que nos tornemos mestres a traçar o perfil psicológico dos nossos alvos, para melhor os conseguirmos enganar. Há quem queira enriquecer rapidamente; há quem se deslumbre com diplomas. Temos de perceber o tipo de pessoa que temos pela frente. E, ainda antes disso, decorar a regra essencial: tudo depende da solidez do embuste, do logro; mas, seja qual for a tática utilizada, é crucial estabelecer uma relação de confiança com a vítima. Para o burlão, confiança equivale a dinheiro.
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Queres enriquecer depressa? Podes cair como um patinho
Na tática Phantom Riches (uma espécie de Riqueza Ilusória), avança-se com a promessa de um investimento sem risco que gerará uma recompensa choruda. A garantia de uma bela maquia depositada na conta é suficiente para desarmar algumas vítimas, desejosas ou desesperadas por enriquecer rapidamente. Connor assegura que não precisamos de ser contidos nas promessas. Bem pelo contrário, devemos elevar a fasquia, prometendo grandes lucros em troca de pequenos investimentos. «Há muito dinheiro a ganhar! Nada pode correr mal!» E, para potenciar uma tomada de decisão mais emocional do que racional, podemos tentar a vítima com os seus sonhos. «Sempre quis fazer uma volta ao mundo? Eis a sua oportunidade! Estou a propor-lhe um esquema infalível!»
Na pele do burlão, safámo-nos bem do primeiro teste. Já com o dinheiro dos outros na mão, desaparecemos. A riqueza prometida, afinal, não passava de uma ilusão. Uma fortuna fantasma.
Falsificar um bronzeado, forjar uma credibilidade
Enquanto ajeita o nó da gravata amarela, Connor avisa que a carreira de burlão exige intuição, personalidade e muito treino. Tudo isso será importante na tática da Fonte de Credibilidade, baseada no facto de as pessoas adorarem receber conselhos por parte de especialistas. Como pode um burlão transformar-se num especialista credível? Pela aparência. Toca a vestir um fato de bom corte, arrendar um escritório vistoso, pendurar na parede uns certificados e diplomas falsos, e eis-nos transformados em especialistas sobre o que bem entendermos. «Tal como um bronzeado ou um quadro de Van Gogh, a credibilidade pode ser falsificada.» O importante é que o alvo sinta que nós percebemos bastante do assunto em questão.
Pois bem, eis-nos gente credível com base numa reputação falsa. «Enquanto a vítima achar que somos credíveis, seremos credíveis», sintetiza o nosso mestre. Uma dentadura branca sorridente, um aperto de mão firme, até podem ser suficientes para deslumbrar alguns habitantes de Shady Acres. «Este tipo sabe mesmo do que está a falar!», pensam eles. «Portanto, posso confiar-lhe o meu futuro financeiro, não posso?»
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Pssst… isto é só para você e mais ninguém!
Pode, claro que pode. Eles confiaram e nós ficámos com o dinheiro deles. Agora, para o próximo golpe, vamos precisar da tática da Escassez, assente na premissa de que hoje surgiu uma oportunidade incrível, a qual amanhã pode já ter desaparecido. Pode, não: vai mesmo desaparecer! Por isso, é preciso agir rapidamente. Agora! Coisa urgentíssima, porque a oferta é escassa e só está disponível num certo limite temporal. Melhor ainda: trata-se de um negócio exclusivo. Coisa única. Do género, uma oportunidade imobiliária do outro mundo; é pegar ou largar. Ou uma hipótese de investimento seguro, que gerará um retorno fantástico, mas que só está a ser apresentada a algumas pessoas especiais. Connor diz que é preciso injetar o medo de se poder vir a perder a oportunidade de uma vida. Assim que o dinheiro passa para as mãos do vigarista, o negócio miraculoso esfuma-se. E nós também, eh eh, pois já enganámos mais uns cidadãos de Shady Acres.
Escolher as ovelhas que querem seguir o rebanho
De facto, esta carreira de burlão está a correr-nos bem. Connor é um mentor incrível! Eis como ele explica a tática do Consenso Social, baseada no comportamento dos rebanhos. Primeiro, mostramos que as ovelhas estão todas a ir numa certa direção. Depois, perguntamos à pessoa: «E você, não quer ir pelo mesmo caminho?!» No fundo, queremos pôr o nosso alvo a pensar que, se toda a gente está a fazer uma certa coisa, então é porque essa coisa deve ser mesmo boa. Nesta estratégia, começamos por atrair alguns amigos e familiares para o esquema – ou então convencemo-los a dizerem que estão connosco, mesmo que não estejam – e eis-nos prontos a arrancar. Para que o golpe surta efeito, convém ter na mira um grupo de pessoas algo displicentes ou crédulas. Assim, será mais fácil convencê-las de que algumas pessoas esclarecidas, «tal como elas», estão a investir numa coisa maravilhosa.
É hora de trabalhar o nosso charme e adequar a nossa personalidade à vítima, de forma a estabelecer uma ligação emocional. «Oh, andou na universidade tal? Que coincidência, nós também!» «Ah, acha que a terra é plana? Incrível, nós também! Já agora, sabia que os terraplanistas andam todos a investir aqui?» E pronto, já está, o dinheirinho veio parar às nossas mãos. Tudo porque as vítimas confiam em nós, e confiam nas outras pessoas. Na verdade, até confiam mais nos outros do que nelas próprias. É a pressão social a funcionar lindamente. «Sim, alguém já fez o trabalho de casa e sabe melhor destas coisas», pensam. Portanto… «Claro que vou investir! Quero juntar-me ao rebanho!»
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Se eu te der isto, tu vais dar-me aquilo
A última lição do nosso virtuoso burlão é sobre a tática da Reciprocidade. Algo do estilo «se cuidares de mim, eu cuido de ti». Aqui, antes do golpe, cabe ao vigarista investir um bocadinho de dinheiro. As coisas gratuitas ou com grandes descontos funcionam às mil maravilhas. Pagar um jantar, "oferecer" um seminário por metade do custo, oferecer bilhetes grátis para um espetáculo musical… Depois, chegará a altura de propor um negócio fantástico. «Devo estar louco para lhe fazer um preço destes!...», dizemos. «Isto é quase de borla!», garantimos. Os nossos presentes foram o isco. Agora, a vítima quererá retribuir os favores recebidos. Mordido o anzol, é altura de içar a cana e agarrar o dinheiro dela.
Estamos orgulhosos de nós próprios. Fomos alunos exemplares. Enganámos todos em Shady Acres, sem que Fiona nos conseguisse meter na cadeia. Nem o grande e milionário Catsby nos escapou. E agora, feitos mestres no engano, a caminho de uma reforma antecipada nas Caraíbas, estaremos mais bem preparados para responder ao quiz proposto no site do videojogo. Afinal, aprender as táticas de persuasão usadas pelos artistas da burla pode ser um contributo decisivo para detetarmos mais facilmente as fraudes que nos surgem na vida real.
Por falar nisso, deixem-me ir meter no lixo uns emails a prometerem mundos e fundos caso eu lhes transferisse uma certa quantia para a conta número não-sei-quantos… E aquele SMS sobre uma taxa de alfândega que eu precisava de pagar por causa de um artigo qualquer que nunca encomendei? Estive quase a clicar; agora é altura de o apagar.
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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.
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