O slogan da minissérie documental Money, Explained evidencia tudo aquilo que já sabemos sobre dinheiro: que o gastamos, que o pedimos emprestado e que o poupamos. Antes disso, claro, temos de o ganhar. E como custa muito ganhá-lo, os criadores da série querem mostrar, sem paninhos quentes, as armadilhas e os alçapões em redor do dinheiro. Para que o gastemos melhor ou, pelo menos, mais conscientemente.
«Como é que foste capaz de cair nisso?!»
O primeiro dos cinco episódios de Money, Explained mostra-nos o mundo das burlas financeiras. É daquelas pessoas que não compreende como é que tanta gente cai como um patinho no conto do vigário? Ao que parece, somos quase todos assim. O narrador é perentório: geralmente, achamos que temos um faro muito apurado para desconfiar dos que nos prometem mundos e fundos. E é por termos essa convicção de que somos bons detetores de mentirosos que acreditamos sermos imunes aos esquemas fraudulentos. Mas talvez estejamos errados quanto às nossas capacidades…
Segundo os especialistas entrevistados, o ser humano está programado para confiar no outro. Faz sentido. Como seria possível funcionarmos em sociedade se desconfiássemos de cada pessoa à nossa volta? Que vida seria a nossa se puséssemos em causa a veracidade de cada coisa que nos dizem? No geral, acreditamos nas palavras e intenções dos outros; ou, pelo menos, não duvidamos de tudo e todos. E os mais crédulos, bem, esses até são capazes de acreditar no famoso email do “Príncipe Nigeriano” a prometer-nos alvíssaras caso lhe prestemos um favor (que envolve o envio do nosso dinheiro, obviamente) ou das oportunidades únicas de enriquecimento rápido propostas pelos esquemas de pirâmide. Ou de embarcarmos, sem especiais cuidados, nos cursos de coaching sobre “como enriquecer!”, cheios de níveis e sessões e patamares, que servem principalmente para ir engordando os números na conta do guru financeiro.
Se por acaso já se viu numa situação destas, saiba que não está isolado. Muitas vezes, as pessoas não denunciam as burlas de que foram vítimas – ou enterram-se cada vez mais nas areias movediças a que foram parar – por uma única razão: vergonha. Os seres humanos têm vergonha de reconhecer que foram enganados. Talvez porque, quando isso acontece, os outros (ou seja, aqueles que se consideram espertalhões), estão logo prontos a apontar-lhes o dedo para chamá-los de tolos, estúpidos, ingénuos?
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Preferimos que não salde totalmente o seu crédito
Devem ser raras as pessoas que não caíram numa esparrela qualquer, mas pronto, haverá sempre iluminados. Para os que gostam de aprender, o segundo episódio procura demonstrar que os cartões de crédito vêm com um custo associado. A história dos cartões de crédito começou, segundo os especialistas entrevistados, como um conto de fadas. De repente, surgia o bilhete de ida para uma vida mais luxuosa; uma verdadeira revolução no consumo. Porém, esta “libertação” do consumidor, inicialmente apenas estava disponível para alguns cidadãos. O crédito era um empréstimo, e, nos Estados Unidos, a avaliação de risco envolvia fatores como a análise do caráter do potencial cliente. Assim, invariavelmente, os cidadãos elegíveis eram “respeitáveis” homens brancos. Mais tarde, a informática imporia a era dos algoritmos; passou-se, então, a analisar os históricos financeiros, e criaram-se as famosas pontuações de crédito. O final do episódio consiste num pequeno alerta para os tais custos invisíveis. Passou todas as barreiras de avaliação e algoritmos e seja lá o que for para conseguir ser dono do seu precioso cartão de crédito? Pois saiba que a preferência da instituição emissora é a de que protele ao máximo o pagamento integral do que deve; é que, enquanto isso não acontecer, continuará a pagar juros sobre a dívida.
O terceiro episódio debruça-se precisamente sobre uma situação de dívida já bastante enraizada nos Estados Unidos: os empréstimos feitos pelos estudantes universitários. Se a existência de uma população com cursos superiores é encarada como um benefício para a sociedade, os especialistas defendem igualmente que a fatura dos empréstimos contraídos pelos jovens poderá revelar-se ruinosa. Por isso, tenta-se explicar como se chegou à atual crise – na América, há mais dívida acumulada em crédito educação do que em crédito automóvel ou cartões de crédito – e perceber se haverá forma de lhe dar a volta.
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A serena febre do jogo
Descoberta a resposta, avança-se para o penúltimo episódio, centrado nos perigos do jogo. As slot machines são especialmente visadas; levam o dinheiro aos poucos, sem que se dê conta, criando uma sensação de paz, uma verdadeira bolha assente numa cadeira confortável. A antecipação de se poder ganhar pode tornar-se viciante; a dopamina aumenta a cada girar dos símbolos… O que é dito sobre as slots pode, no entanto, aplicar-se também às raspadinhas ou aos casinos e casas de apostas online. De acordo com os especialistas, a maior parte das pessoas gosta de ver as reações de quem ganha a lotaria. Gostamos de pensar como isso vai mudar a vida delas e, por inerência, damos connosco a pensar: «E se aquilo me acontecesse a mim?» Porém, essas vitórias são uma raridade na indústria do jogo. Nos jogos de casino, a lei dos grandes números assegura que, ao longo do tempo, os ganhos da casa superam sempre as perdas. Na roleta, por exemplo, a casa verde do zero aumenta ainda mais a margem positiva do casino. E a roleta americana até tem duas casas verdes (“0” e “00”), em que é a casa a rapar todas as fichas apostadas pelos jogadores…
No fundo, o jogo não passa de uma questão de probabilidades; algo ligado aos números, à frieza da matemática. O segredo está em fazer parecer que o jogo pertence ao mundo da magia. Em personalizar a experiência. Perante o resultado das bolinhas do bingo ou da roleta, perante os símbolos que aparecem na raspadinha ou no ecrã, as pessoas sentem-se “sortudas” ou “azaradas”. E facilmente entram na falácia do jogador, continuando a jogar mesmo depois de perderem várias vezes; é que, para elas, a vitória tem de estar ao virar da esquina. Tem de estar! Quase nunca está, claro, mas o jogador vive dessa ilusão de poder controlar o resultado. E lá vai ele apostar nos seus números “especiais”; aqueles que, no seu entender, têm mais hipóteses de sair, esquecendo-se da aleatoriedade inerente ao jogo.
Probabilidades de uma reforma confortável
Ah, mas você já ficou milionária com os seus números especiais? Se sim, esqueça tudo o que leu nestes últimos parágrafos e mande-nos essa preciosa chave mágica. Por favor!? Muito por favor?! Bem, se por acaso continuarmos sem ganhar a sorte grande, o melhor será assistir ao último episódio, dedicado à reforma, encarada como um banquinho cujos três pés são as pensões, a segurança social e as poupanças. Em Money, Explained avança-se que o norte-americano da classe média precisará de ter 1 milhão de dólares na conta caso queira desfrutar de uma reforma confortável. Em Portugal, se pensarmos no valor da maior parte das pensões, será duplamente inteligente pensar em se ir colocando algum dinheiro de lado…
Convém saber poupar e saber investir. Porém, este desígnio de precaver o amanhã choca muitas vezes com a dificuldade de as pessoas se identificarem (ou preocuparem) com o seu eu do futuro. Para contrariar este entrave psicológico, pode ajudar vermos a projeção da nossa imagem atual para o que será daqui a décadas (há apps de envelhecimento facial que o fazem). Vermo-nos idosos, enquanto somos novos, é um truque eficaz para nos deixar mais sintonizados para a necessidade dos sacrifícios no presente. Preocupemo-nos com o bem-estar daquele ser do futuro, sim; mas, acrescentamos nós, com conta peso e medida. Vivendo na mesma o nosso dia a dia. Que, se de séries está o ecrã cheio (e a dificuldade está em escolhê-las), já quanto às vidas, enfim, só temos mesmo uma para tentar desfrutar dela. Em novos e, se lá chegarmos, em velhos.
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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.
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