Cultura e Lazer

Como aprender a não gostar de bombas atómicas

Dois jogos, uma premissa: produção de energia. Primeiro, ganhava quem tivesse mais bombas; depois, ganhava quem mostrasse maior engenho na gestão dos recursos.

Dois jogos, uma premissa: produção de energia. Primeiro, ganhava quem tivesse mais bombas; depois, ganhava quem mostrasse maior engenho na gestão dos recursos.

Ao olharmos para o mundo atual, até parece que voltámos ao período da Guerra Fria. Em The Manhattan Project (2012), a primeira página do manual de regras serve para nos introduzir de modo imersivo no tema.

Num design de capa de jornal, com data de 12 de agosto de 1945 (o dia da rendição do Japão, já após o lançamento das bombas atómicas sobre Hiroxima e Nagasaki), anuncia-se a chegada da era nuclear. Será nesse novo mundo que os jogadores, assumindo o papel de nações, irão disputar a supremacia. Quem será a grande potência do futuro?

Isto tem bombas, mas também tem operários

Já sabemos que os Estados Unidos assumiram esse papel na história, mas um jogo de tabuleiro também pode servir para reescrevermos, num par de horas, o que aconteceu na realidade. A premissa de sermos uma nação com poderio militar, a lutar por ganhar ainda mais preponderância, assume um inegável aspeto belicista que não agradará a todos. Na altura, tal como no jogo, a corrida nuclear passava por construir “mais e melhores” bombas, sem grandes hesitações. Mas o que em termos descritivos soará a algo bastante conflituoso, adquire uma dimensão mais alargada ao abrir-se a caixa.

De repente, ao constatar que temos ao nosso dispor operários, engenheiros e cientistas, até parece que entrámos no filme multipremiado Oppenheimer (2023). E quando percebemos que os trabalhadores geram recursos ou produzem qualquer coisa, o pendor económico de The Manhattan Project começa lentamente a emergir.

Os turnos sucedem-se em vagas de trabalhadores que são colocados no tabuleiro principal ou nos edifícios que os jogadores constroem na sua nação. Há um mercado com projetos prontos a edificar, desde que tenhamos recursos – dinheiro, engenheiros, empreiteiros – para tanto. Nos espaços das fábricas, postas a laborar, obtêm-se dinheiro (e, em troca, paga-se um pequeno suborno). Mas por estarmos numa corrida ao armamento, também há unidades fabris de onde saem caças e bombardeiros. Vemos ainda minas que geram matérias-primas e universidades que formam mão-de-obra especializada. Finalmente, o reator produz plutónio e uma fábrica específica gera urânio enriquecido.

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Fabricar armas e mais armas, para as não usar

Os meios aéreos podem ser utilizados em raids contra os edifícios dos inimigos. Mas enfim, nada é permanente, e os danos podem ser reparados. Além disso, as sirenes de alerta permitiram que os trabalhadores fossem rapidamente para os abrigos subterrâneos e escapassem ilesos ao ataque. Interessante é a possibilidade de o anúncio de um ataque aéreo poder levar a uma negociação entre as partes envolvidas. Um acordo para evitar o bombardeamento pode envolver, por exemplo, a troca de matérias-primas. E a palavra dada, neste caso, tem de ser honrada. Não é bom passar umas horas num mundo em que os compromissos têm de ser levados a sério?

Outra forma menos rufia de enfrentar o adversário passa pela espionagem; investem-se uns cobres e um dos nossos agentes infiltra-se numa instalação alheia para roubar uns cubinhos de plutónio… Tudo neste jogo está direcionado ao esforço de construção de bombas que, neste caso, não serão para arrasar cidades, mas sim para ganhar pontos. Quando maior o poder dissuasivo, maior a possibilidade de uma nação sair vitoriosa. Por isso, com a ajuda de engenheiros e cientistas, e avultados investimentos financeiros, é preciso fabricar, testar a montar nos bombardeiros os engenhos explosivos cada vez mais sofisticados.

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E não haveria uma forma menos conflituosa de ganhar?

Caixa do jogo The Manhattan Project (2012)

Porém, se este cenário bélico não casar consigo, pode apostar na sequela intitulada The Manhattan Project: Energy Empire (2016). Aqui, o jogo apanha-nos no final do século XX, após a corrida às armas e umas décadas de grande crescimento económico e desenvolvimento tecnológico. A produção de energia atingiu níveis brutais, fosse pela queima do carvão, pela extração de petróleo ou pelo uso da energia nuclear. Timidamente, começavam a surgir as energias alternativas como os painéis solares ou a energia eólica, mas tal não impediria níveis recordes de poluição. É nesse ambiente algo caótico que somos instados a guiar a nossa nação rumo à prosperidade. No final, a nação vitoriosa, provavelmente, acabará por ser aquela que conseguir gerar grandes quantidades de energia e, não menos importante, que saiba gastá-las da forma mais eficiente.

Nos jogos de tabuleiro, porém, interessa sobretudo o durante. A base continua a ser a colocação de trabalhadores em espaços, mas as opções multiplicaram-se. Aposta-se na pesquisa cientifica e na educação? Limpa-se a poluição ou escolhe-se extrair mais minérios? Usa-se, nesta ronda, o sector financeiro ou o mercado de compra e venda de petróleo? Em termos de estruturas disponíveis para construção, também houve um upgrade. Agora encontramos universidades e laboratórios científicos, agências nucleares e programas espaciais, nanotecnologia ou institutos oceanográficos. No sector industrial, a nação pode apostar em minas de urânio ou em oleodutos, fábricas de aço e estaleiros, autoestradas, empresas de importação, jornais e canais de notícias, quintas... até há uma fábrica de brinquedos.

Pois aqui já nos preocupamos com o ambiente!

Para tudo isto funcionar é preciso, claro está, energia. Há dados castanhos para o petróleo, negros para o carvão, amarelos para a energia nuclear, verdes para a energia solar, e azuis para a energia hídrica. No mini tabuleiro de jogador, registam-se as alterações da poluição do ar, da floresta e dos oceanos. E há sempre a hipótese de surgir um foco de contaminação radioativa… A mensagem ambiental insere-se no facto de um país com baixos níveis de poluição gerar mais pontos de vitória; mas, ao mesmo tempo, a produção de energia não deixará de ser um mal necessário, crucial para o desenvolvimento de cada país. Será preciso encontrar, em cada momento, o equilíbrio certo.

Interessante ainda que cada nação/jogador começará com recursos diferentes. O Iraque produz essencialmente petróleo e dinheiro. O Canadá tem mais ciência do que os restantes países. A Índia e a China contam, logo à partida, com mais um trabalhador. 

Outro ponto forte desta versão são os eventos mundiais que têm impacto em todos os jogadores e no preço do petróleo. Coisas como as importações baratas, a industrialização, a chegada do homem à lua, o imperialismo, os direitos civis, o comércio livre, a queda do mercado bolsista ou uma pandemia são coisas passíveis de alterar o rumo do jogo e exigir estratégias de readaptação. E entre as várias formas de ganhar pontos de vitória até encontramos a influência que cada nação consegue ter dentro das Nações Unidas. É como se tivéssemos uma audiência privada com António Guterres!

Como se disse, são dois jogos diferentes, sob a mesma premissa. Agora pareceu voltar a valer quem tem mais bombas no seu arsenal. Oxalá venha a provar-se coisa passageira.

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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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