A necessidade de criar um Dia Internacional da Felicidade diz muito da vontade do ser humano em atingir esse estado de absoluto contentamento. Deixemos de lado, no entanto, as filosofias e os conceitos mais complexos inerentes ao tema, para nos centrarmos nos nossos ditados populares. Afinal de contas, neste domínio já temos muitas sentenças para avaliar, a começar logo pela máxima de que “o dinheiro não traz felicidade”. Será?
Entre o ter e o não ter…
Quando escutam o chavão que desassocia o dinheiro do sentimento de bem-estar, não vos apetece, por vezes, dizer que mais vale experimentar primeiro para averiguar, em primeira pessoa, se o dito é verdadeiro? Descansem, que o povo já tratou disso; nos nossos dicionários encontrámos uma reformulação do dito, através de um pequeno, mas importante, acrescento: “O dinheiro não traz felicidade, mas ajuda”.
A fórmula mais correta do provérbio é, segundo vários dicionários, “o dinheiro não compra a felicidade”, o que, parecendo igual, talvez imponha uma certa nuance à questão. “A felicidade não se compra”, diz-nos outra versão, que parece incidir ainda mais no aspeto fugaz da felicidade do que propriamente no poder (ou falta dele) associado ao dinheiro. E, se folhearmos o Dicionário Prático de Provérbios Portugueses, encontramos uma versão que dá maior importância às notas na nossa carteira: “O dinheiro não é a base de felicidade”. Não é a base, diz-se; mas, depreende-se, pode ajudar.
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Ver o copo meio cheio ou meio vazio?
Aceitemos, nem que seja neste texto, a premissa de que felicidade e dinheiro não andam, obrigatoriamente, de mãos dadas. Então, onde a poderemos encontrar, segundo a sapiência popular? “A felicidade está onde nós a pomos, mas nós nunca a pomos onde nós estamos”, é uma das propostas que nos obriga a olhar para a forma como vemos o mundo e a nossa vida. Eis outra versão de uma ideia semelhante: “Procurando a grande felicidade, quantas pequenas deixamos perder…” No fundo, o conceito em causa talvez dependa bastante da personalidade de cada indivíduo, pois “cada um forja a sua felicidade” ou, de forma ainda mais simples, “Cada um constrói a sua felicidade”.
“Feliz é quem por feliz se tem”, sintetiza um ditado, mas convém não esquecer a grande importância da sorte. Eis três belos exemplos retirados do Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios:
“A felicidade é como a sorte grande: só sai aos outros”.
“A desgraça de uns faz a felicidade de outros”.
“A felicidade só chega de um lado; o infortúnio, vem de todos”.
A infelicidade de bater com o nariz na porta
Alguns dicionários relembram-nos uma expressão que vai caindo em desuso: “Caiu-lhe a sopa no mel”, que o livro Provérbios, Adágios, Rifãos, Anexins, Sentenças Morais e Idiotismos da Lingoa Portugueza define como alguém que teve maior fortuna do que aquilo que esperava. Mas o prémio do ditado mais engraçado tem de ir para outro, que aqui vos deixamos em versão dupla: “Quem é infeliz cai de costas e quebra o nariz” e o ainda mais retorcido e fatalista “Quem nasce infeliz, mesmo que caia de costas parte o nariz”.
Além da sorte, a felicidade está ainda associada ao bem-estar físico – “Sem saúde não há felicidade” –, o que já podemos considerar um prenúncio do tema da fugacidade: “A nossa felicidade não é senão um relâmpago. Ela parece que não brilha, senão para anunciar a tempestade”. Da mesma Coleção de Pensamentos e Máximas, de 1847, extraímos também que “A felicidade precisa de ser interrompida para ser sentida” e o bastante desiludido “A felicidade é a fábula de todo o mundo, e não é a historia de ninguém”.
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Pitadas de moralismo para desviar atenções
Vale a pena deixarmo-nos estar nesta coleção compilada por José Joaquim Rodrigues de Bastos, que inclui exemplos de um certo idealismo moralista, tanto sob a forma de sentença – “Sede melhores, e sereis mais felizes” –, como numa espécie de alerta: “Os mais felizes em aparência, são muitas vezes os mais infelizes em realidade”. Há também uma comparação que bem poderíamos continuar a aplicar aos temas da fama e do renome: “A felicidade é como a reputação: mui custosa de adquirir, e mui fácil de perder”.
Começámos pelo dinheiro e assim iremos terminar. Uma máxima defende que será tudo uma questão de perspetiva: “Para se ser feliz, é necessário olhar para os degraus inferiores da escada; para os superiores, nunca”. Noutro exemplo de apelo à retidão, avisa-se que “O dinheiro, parecendo dar tudo, não pode dar a felicidade; é necessário pedi-la ao trabalho e à virtude”. O livro de 1847 está, aliás, repleto deste tipo de máximas. Eis mais uma: “A felicidade dos ricos não está nos bens que possuem, mas nos bens que podem fazer, e ainda mais nos que fazem”.
Porém, mesmo em matéria de assuntos financeiros, a sabedoria popular acolhe o contraditório. E até acede a colocar a riqueza no topo da escala, acima até, veja-se lá, dos sentimentos amorosos: “Amor faz muito, o dinheiro tudo”. Afinal, os ditados também podem incluir uma dose refinada de pragmatismo. É que, às vezes, não vale a pena inventar muito, pois não? “Quem dinheiro tiver, fará o que quiser”.
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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.
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