Mesmo passada mais de uma década, o documentário que acompanha os passos de Robert Reich, ex-secretário do Trabalho dos Estados Unidos, talvez não tenha perdido atualidade na intenção de despertar a consciência para o crescente desnível económico vivido na América. Na América e não só, pois o retrato feito em Inequality For All (2013) encaixa também noutras nações. Por outras palavras, enquanto uns ficam mais ricos, outros ficam cada vez mais pobres.
À procura do equilíbrio
Após o seu trabalho nas administrações de Jimmy Carter e Bill Clinton, após fazer parte da equipe de conselheiros de Barack Obama, o professor universitário Robert Reich dedicou-se a levar as suas crenças até à sociedade civil. Fez palestras e deu aulas sobre os conceitos de riqueza e pobreza, procurando analisar a situação instalada e dar respostas aos porquês da crescente desigualdade de rendimentos. E, como já nos tem habituado, Reich acaba por revelar-se um homem de ideias pouco extremistas. Para ele, a existência de alguma desigualdade é inerente ao atual sistema económico: a grande questão é saber-se qual é o nível tolerável para as democracias, quando se fala nisto de distribuição desigual de renda e riqueza.
Aqui não há caça às bruxas, ou seja, aos mais ricos. Sobre esses poucos, como por exemplo um empresário que ganhe 10 milhões de dólares por ano, é dito que não têm forma de gastar quantias tão elevadas: e eis que entram em cena os investimentos no mercado global financeiro, algo que só cria riqueza limitada. É preciso, portanto, haver quem gaste dinheiro, quem compre bens, e o ex-secretário de Estado defende que a prosperidade económica estará associada ao poder de compra da classe média. Ora se a classe média, o motor da economia norte-americana (e de outras economias), tem cada vez menos poder de compra…
Leia ainda: A fúria do “Estás despedido!” e os seus efeitos
O círculo vicioso
As comparações de ordenados para várias profissões que nos são propostas mostram que um operário fabril de linha de montagem ou um empregado de caixa num banco ganhava menos em 2010 do que em 1970. Porém, no mesmo período, verificou-se um aumento progressivo das rendas da casa ou dos custos com a creche dos filhos. Resultado: a diminuição drástica da fatia do rendimento disponível depois de pagas as despesas correntes da família. E eis-nos chegados ao tristemente famoso “Mesmo trabalhando muito, o dinheiro não chega para nada”.
Instalou-se, segundo Robert Reich, um círculo vicioso que está a criar problemas aos trabalhadores:
Ordenados estagnam –>
–> Trabalhadores compram menos –>
–> Empresas reduzem pessoal –>
–> Receita de impostos diminui –>
–> Governo faz cortes orçamentais –>
–> Trabalhadores com menores graus de educação –>
–> Desemprego cresce
Como se fosse uma sessão de perguntas e respostas
Qual seria então o oposto? O círculo virtuoso? Já lá vamos. Antes, resta dizer que Inequality for All (que poderíamos traduzir por Desigualdade para Todos) tenta ainda desmontar, esclarecer ou denunciar questões como a dita globalização (para onde vai o dinheiro que se gasta? que países estão a lucrar?), a desregulação dos mercados financeiros, a teoria do governo mau e mercado bom, a entrada das mulheres no mercado de trabalho, as horas extraordinárias, os duplos empregos para pagar as contas.
E há mais. Os empréstimos, os buracos de dívida, a bolha do imobiliário, as falsas noções do mercado livre (as regras definidas pelos governos acabam por beneficiar uns e prejudicar outros), os cortes na educação, os milhões dos lobistas, o abuso da riqueza, a polarização da política...
Leia ainda: Freakonomics: Os monstrinhos da economia
O círculo virtuoso
Regressemos ao cerne da teoria de Robert Reich. Ao longo do tempo, os salários dos executivos foram aumentando, enquanto os ordenados dos trabalhadores da classe média ficavam congelados. Perante o panorama atual – que segundo a figura central do documentário é, em parte, o resultado de os conselhos de administração das empresas se focarem apenas no lucro em vez de na tarefa de criar bons empregos para os seus trabalhadores –, talvez seja difícil acreditar na implementação do tal círculo virtuoso. Ainda assim, aqui o deixamos.
Crescimento da produtividade –>
–> Expansão da economia –>
–> Aumento do nível de educação dos trabalhadores –>
–> Governo investe mais –>
–> Aumento da receita dos impostos –>
–> Empresas contratam mais –>
–> Trabalhadores compram mais –>
–> Salários aumentam
Quem sabe? Talvez, no geral, todos pudessem ficar mais contentes.
Leia ainda: Nisto de capital acumulado, de que lado você está?
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
Deixe o seu comentário