Cultura e Lazer

Está decidido: Hoje não faço nadinha!

Não me apetece, não faço. Nem este texto, nem aturar o patrão, nem limpar o caixote dos gatos, nem fazer o jantar… Que preguiça! Os provérbios permitem, certo?

Não me apetece, não faço. Nem este texto, nem aturar o patrão, nem limpar o caixote dos gatos, nem fazer o jantar… Que preguiça! Os provérbios permitem, certo?

Vamos lá a saber se, segundo os provérbios, podemos ficar na cama, no quentinho, sem mexer uma palha. O primeiro que nos aparece, "a quem tarde se levanta cedo anoitece", nem soa muito mal. Anoitece cedo? Vamos outra vez para a cama. Se calhar nem saímos de lá… E teremos companhia? "Antes marido feio e laborioso que bonito e preguiçoso". Pronto, começaram os problemas. É que isto da preguiça, afinal, pode ter consequências. Vejamos algumas, pouco simpáticas.

"A preguiça morreu de sede à beira de um rio."

"Caranguejo que dorme, maré que o leva."

"Com as mãos nos bolsos não se vai muito longe."

"O trabalho enriquece, a preguiça empobrece."

Ah, a boa-vida de ficar na cama…

O povo, sobretudo, faz questão de avisar quem gosta de ficar na ronha. Encontra-se, sem dificuldade, uma dúzia de provérbios acerca dessa "boa-vida", que o dicionário de alocuções e ditos curiosos do Reader’s Digest define como sendo o que se diz de "qualquer indivíduo despreocupado e irresponsável, que não liga ao trabalho nem ao dinheiro e para quem está tudo bem". Ficar na cama ou não ficar, eis a questão. "É muito melhor estragar sapatos que lençóis", começam. "Ninguém cria fama, deitado na cama", continuam. "Pouco aprende quem muito dorme." Enfim, até agora, também, nada assim de péssimo, pois não? Só mais um bocadinho, então…

Fiquei "ferrado no sono", que é como quem diz, dormindo profundamente. E agora que finalmente nos levantámos, que nos espera? "Levantou-se o preguiçoso a varrer a casa e pôs-lhe o fogo", já determinava o livro dos “Adágios Portugueses reduzidos a Lugares Comuns”, de 1651, compilado por António Delicado. Tenho a impressão de que o resto do dia vai ser complicado. "A ociosidade é a mãe de todos os vícios", grita Ladislau Batalha da sua “História Geral dos Adágios Portugueses”, publicada em 1924. "Mocidade ociosa, velhice vergonhosa", diz-se dali; "o diligente ganha a sua vida, o preguiçoso rouba-a", acusa-se dacolá. Caramba, num instante passaram aos insultos.

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Que saudades de ser um cábula!

Faz lembrar os tempos da faculdade. Quem não teve na sua turma um cábula? Eis como Paulo Perestrello da Câmara os definia, na sua coleção de anexins de 1848: "epíteto novo e joco-sério, com que em Coimbra se alcunha os estudantes calaceiros, e que não comparecem regularmente às aulas, porém são aprovados no fim do ano". Ah, ele passou? Nada mau, sim senhor. É como aquele "seja tua a figueira, e more eu à beira", que o mesmo Perestrello da Câmara decifra com o parêntese "(para lhe comer o fruto sem trabalho)". Pelos vistos, o crime da preguiça pode compensar. Cama outra vez? Eis mais umas quantas razões para não o fazer…

"Quem tarde se levanta, todo o dia corre e pouco adianta."

"Se queres ser pobre sem o sentir, mete-te em obras, deita-te a dormir."

"Quem conta com a panela alheia, arrisca-se a ficar sem ceia."

"Quem em novo não trabalha, em velho dorme numa palha."

"Quem espera por sapatos de defunto, toda a vida anda descalço."

"Quem mais dorme, menos vive."

Ou seja, levantámo-nos tarde e agora não temos tempo para cumprir as tarefas do dia, perdemos a oportunidade de ganhar uns tostões, se calhar nem vamos ter o que jantar, hipotecámos a nossa reforma, e vamos viver menos tempo do que as pessoas que se levantaram cedo. Até os animais são capazes de ser mais espertos, pois sabem que "raposa que dorme não apanha galinhas" e que "zorro deitado não apanha bocado". (Sendo que este zorro não é nenhum herói mascarado, mas sim um simples raposo.)

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Podemos preguiçar mais um bocadinho ou não?

Enfim, ao que parece a preguiça pode sair cara. "O moço preguiçoso, por não dar uma passada dá oito", cita-se no dicionário de anexins de 1841, de Francisco Roland. Às vezes, porém, há forma ainda mais simples de passar a mensagem, como o que acontece quando estamos à mesa e não nos debruçamos para a frente. "Da mão à boca, se perde a sopa", ou seja, pode falhar a colher, podemos pingar a sopa, sujar a roupa… Menos mal que estávamos de pijama. Ups, descaímo-nos. E já aí vem o conselheiro Rodrigues de Bastos, com a sua “Coleção de Pensamentos, Máximas e Provérbios” de 1847, a abrir páginas e a declamar tudo o que não queremos ouvir.

"A preguiça é a chave da pobreza."

"A preguiça faz abortar a glória."

"A preguiça gasta a vida, como a ferrugem consome o ferro."

"A preguiça inutiliza mais talentos, do que a atividade desenvolve."

"A alma do preguiçoso é comparável a uma terra que se não cultiva, e que não produz senão silvas e cardos."

"A preguiça e a miséria costumam andar de companhia."

Que lhe responder? Só queríamos dormir mais um bocadinho… E andámos à procura de uma forma de não fazer nada. Ou, como se dizia antigamente, ali pelo século XVII, "quem não quer fazer a cousa, escusa busca". Foi só isso, senhor conselheiro: tentámos arranjar uma desculpa para não fazer este texto. E conseguimos, não foi?

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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.

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