Cultura e Lazer

Gasta, filhinho, gasta, mas com parcimónia

Isto de poupar é muito bonito, mas para quê amealhar se também não pudermos gastar um pouco? Aproveitemos, portanto, mas tendo em conta os avisos populares.

Cultura e Lazer

Gasta, filhinho, gasta, mas com parcimónia

Isto de poupar é muito bonito, mas para quê amealhar se também não pudermos gastar um pouco? Aproveitemos, portanto, mas tendo em conta os avisos populares.

«O dinheiro fez-se para gastar» é daqueles provérbios populares que parecem ter sido feitos para tirar pesos da consciência. Porém, já a minha avó dizia que «Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão», e bastará esta lembrança familiar para que dê um passinho atrás na intenção de escrever um texto sobre a importância de desfrutar da vida sem grandes preocupações. Enfim, há coisas que nos ficam marcadas para sempre, pelos exemplos do que vivemos, pelas coisas que ouvimos… E, se nos pomos a ler dicionários antigos, ainda pior. É o «Quem gasta mais do que tem, mostra que siso não tem», visto num deles; é o «Para os bens da vida terem duração, devem-se gozar com moderação», encontrado noutro. Ui…

A forma como se ganha enforma o como se gasta

Tudo bem, façamos contas ao que se ia despender, mas sem exagerar na poupança, que a vida são dois dias. E também não temos obrigatoriamente de ser daqueles para quem «chapa ganha, chapa gasta» e depois ficam sem tostões até para uma carcaça, não é? E, por outro lado… É que isto do valor do dinheiro, segundo a sabedoria popular, tem muito a ver com a forma como ele se ganha. Eis alguns exemplos:

«Quando o ganho é fácil, a despesa é louca.»

«O bom ganhar faz o bom gastar.»

«Trabalhar e ganhar ensinam a gastar.»

«Nunca um bom ganhador é pródigo gastador.»

«Cantando vem, cantando vão», lista-se na Coleção de Provérbios, Adágios, Rifãos, Anexins, Sentenças Morais e Idiotismos (1848), a que o autor Paulo Perestrello da Câmara achou por bem acrescentar uma legenda: «o que não custa a ganhar, facilmente se gasta; se despende como se ganha». A ideia tem outras variantes. «Depressa se gasta o que depressa se ganha», por exemplo, ou o agora politicamente incorreto «Ganhá-lo como um preto, gastá-lo como um fidalgo».

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Gota a gota, até ficar a tinir

Não será caso de continuarmos a usar este provérbio, mas também não será de o esconder, pois é representativo dos tempos da escravatura. E da era em que muitos se matavam a trabalhar para o desfrute e o conforto de um punhado que não tinha de verter uma gota de suor. Agora, felizmente, é tudo muito diferente, não é?

Adiante. Ponhamos os olhos naquele que ali vai. Tem ar de quem trabalhou arduamente para ganhar o seu, pois segue de bolsos cheios e de consciência tranquila por já ter cumprido o ditado: «Tem cuidado em o ganhar, que tempo sobra para o gastar.» Agora é com ele, pois há várias formas de gerir o que se recolheu. Será que este é dos que «gota a gota, o mar se esgota»? (Também existe a versão específica para a bebida, que substitui “mar” por “tonel”). Daqueles que gastam tudo e no fim dizem, com um levantar dos ombros, «era bom, mas acabou-se»? Dos que querem é «Gozar à grande e à francesa» até «Ficar a tinir», que, como explica Perestrello da Câmara, significa ficar «despojado de bens da fortuna, embaraçado, depenado, reduzido a zero»?

Glutonia, esse pecado mortal (para o nosso dinheiro)

Pois é, não falta quem saiba «Fazer faxina nos bens», ou seja, «estragar, gastar sem peso nem medida». E aquele outro que lá vai «Dar à sola», que segundo a mesma coleção do século XIX quer dizer «estragar, gastar a sua fortuna imprudentemente, quebrar, falir por sua culpa»? No Livro dos Mil Provérbios, recolhido por Ramon Llull em 1302, existe um pecado que ajuda especialmente ao desbaratar de dinheiro. «A glutonia gasta e não guarda», avisava-se, já que «A glutonia é o pecado que consome a sanidade e gasta excessivamente».

Estávamos a pensar ir buscar um pires de bolachas para acabar este texto, mas assim sendo… Nã, que somos dos avisados, dos que conhecem ditados como «É tarde para economia quando a bolsa está vazia», dos que sabem pisgar-se quando «A bolsa já lhe vai arquejando» (ou seja, “ficando leve, a seco”), dos que reconhecem que «Quanto mais há, mais se gasta», enfim, dos que já provaram do provérbio «O que é bom depressa acaba». Quem nunca?! Talvez uns quantos, que poderíamos descrever por «Quem não tem e muito despende, na praça se vende» ou por «Quem pouco ganha e muito gasta – se não herdou, furtou».

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Vá lá, Conselheiro, só umas bolachinhas

Isto tinha começado de forma tão simples… Íamos só gastar uns trocos, não era? E agora ficamos com a Coleção de Pensamentos, Máximas e Provérbios à nossa frente, e é certo e sabido que oconselheiro José Joaquim Rodrigues de Bastos ainda tem mais algumas coisas para nos dizer. «Por não gastar o que baste, o escusado se gasta», avisa-nos, o que nos acalenta a pegar nas moedas e ir comprar mais um pacote de bolachas. O quê? Nem por isso? «Quem tem quatro e gasta cinco, não há mister bolsa, nem bolsinho.» Mas se eu não for gastar cinco, então, posso ir? «Três cousas destroem ao homem: muito falar, e pouco saber; muito gastar, e pouco ter; muito presumir, e pouco valer.»

Já percebi. Boca fechada, certo? Para as bolachas e para mais palavras.

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