Cultura e Lazer

Medo de ficar de fora, influenciadores e um burlão

A história de um festival de música numa ilha tropical que prometia ser o mais incrível de sempre e que foi tudo menos isso. Mas gerou dois documentários!

A história de um festival de música numa ilha tropical que prometia ser o mais incrível de sempre e que foi tudo menos isso. Mas gerou dois documentários!

Quando o mesmo evento falhado dá lugar a dois filmes no mesmo ano, quase apetece dizer que a fraude compensa. Ups, já nos adiantámos…

Bem, comecemos por tentar resumir o que seria o Fyre: uma experiência luxuosa, claramente dirigida para a geração dos millennials, orientada para gente que gosta de seguir influenciadores nas redes sociais e que tivesse dinheiro para gastar num festival de música com bandas de topo, muita bebida, praias paradisíacas e, claro, gente famosa. Ou seja, o cenário ideal para uma série de fotografias e lives no Instagram.

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Quando um vigarista se junta a um rapper

Por detrás do evento, promovido como uma festa exclusiva numa ilha das Bahamas que já tinha pertencido ao barão da droga Pablo Escobar, estava um nome: Billy McFarland. É provável que esse nome desconhecido não causasse grande impacto público, pelo que rapidamente o jovem empreendedor se juntou ao rapper Ja Rule, contratou uma agência de comunicação que pensava fora-da-caixa, criou uma perceção de evento imperdível e foi convencendo influenciadores como Kendall Jenner a promover o projeto. Enquanto isso, na suposta ilha paradisíaca…

Os dois documentários acompanham os vários momentos que culminariam num desastre total. É óbvio que o Fyre deveria ter sido cancelado, por múltiplas razões, e não foi. Aconteceu mesmo, ou melhor, aconteceu, mas sem ser nada do que prometia. E é por isso que as imagens de bastidores que registam o falhanço representam também o retrato de uma geração que cresceu e vive na Internet, de jovens empreendedores que são mestres na manipulação através das redes sociais, e até de um espírito que procura tirar pontos positivos até da pior situação.

Basta dizer que Fyre – The Greatest Party that Never Happened (2019) foi produzido pela agência de comunicação que ajudou a promover o festival. E que Fyre Fraud (2019) pôde contar com a participação do próprio Billy McFarland só porque, diz-se, aceitou pagar-lhe principescamente pela entrevista.

Tiques de mentiroso compulsivo

Imagem do Fyre - The Greatest Party That Never Happened

Curiosamente, sendo ambos sobre o mesmo tema, os dois filmes acabam por complementar-se, pois cada um adota um ângulo diferente da história ou pretende abordar este ou aquele assunto de forma mais profunda. Profunda quanto baste, pois é preciso não esquecer que os tais millennials que foram enganados, e todos os outros que se riram à custa dos que foram, continuam a ser o público-alvo. Contem, portanto, com banda sonora modernaça e uma montagem frenética de entrevistados e imagens de bastidores.

Mesmo que telegráficas e parciais, as declarações de McFarland causam impacto. Quando lhe perguntam se se acha um mentiroso compulsivo, ele rebate e pede que lhe mostrem um só exemplo em que tenha mentido. Como se para ele não se tivesse passado nada de especial, como se não pagar aos trabalhadores nas Bahamas fosse uma coisa de somenos, como se o incumprimento do cachê acordado com as bandas não tivesse importância (os artistas alinhavados para o evento acabariam por desistir), como se os esquemas inventados para obter novas injeções de dinheiro – imprescindível para que o projeto não se afundasse –, fossem apenas uma estratégia normal de gerir um negócio.

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Tivemos muita sorte… antes de termos azar

"Parece-me demasiado fácil fazer de treinador de segunda-feira, olhar para trás e dizer, 'ah, devia ter feito assim, devia ter feito assado'", diz McFarland a certa altura. "Sem dúvida que cometi uma série de erros. Mas, antes de termos os maiores azares, tivemos a maior das sortes. Isto pode parecer meio louco, mas houve muitas coisas que tiveram de correr muito bem para que isto resultasse num falhanço tão grande."

E temos de lhe dar razão, pois talvez a principal pergunta seja como é que Billy conseguiu continuar, continuar sempre, mesmo quando já havia vários sinais de alerta, mesmo quando alguns já saíam do barco e avisavam outros para fazerem o mesmo, e ainda assim, conseguia continuar e ir convencendo tanta gente a manter-se ao seu lado. Era assim tão importante estar, de facto, naquela suposta festa incrível?

Se calhar, sim. E é assim que os documentários nos levam por outros caminhos, como o FOMO (fear ou missing out, ou seja, medo de ficar de fora), o papel e impacto dos influenciadores digitais, os ideais e valores das classes privilegiadas, a comunicação na era das redes sociais e, ainda, algo que não tem mudado com os séculos: a arte e o poder de atração de um grande vigarista.

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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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