Quando se pensa em dinheiro, frequentemente pensa-se em quanto se tem, ou quanto se ganha, deixando para segundo plano o quanto se gasta. A ideia de nivelar por baixo (ou seja, adequar o estilo de vida ao nível dos rendimentos) terá um travo amargo para muita gente, e longe de nós querer criticar o lado aspiracional do ser humano; afinal, os sonhos ainda continuam a ser uma parte importante da nossa espécie. Porém, isso não será impeditivo de conhecermos outras formas de encarar a vida ou realidades bem distintas da nossa. Desta vez, propomos uma pequena incursão, sem juízos de valor, por alguns exemplos mais afastados do nosso quotidiano.
Jovens ricos à procura de significado
Este texto não pretende ser um guia. É apenas o abrir de uma janela para horizontes mais minimalistas. Ora, se de acordo com a definição do dicionário online Priberam, o minimalismo é um «sistema, doutrina ou tendência que defende a redução ao mínimo do que compõe algo», para os protagonistas do documentário Minimalism: A Documentary About the Important Things (2016), trata-se de dar atenção às coisas importantes. A mudança de paradigma de Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus passou por largarem uma carreira de sucesso (e um ordenado chorudo) para adotarem um estilo de vida mais contido. Porém, não se tratou propriamente de uma reforma antecipada. Os dois tornaram-se autores de blogue, apresentadores de podcast, oradores em conferências; escreveram livros e fizeram documentários. Assim, o título referido – e que teve sequência em Less is Now (2021) – funciona como introdução a algo que se expandiu de tal forma que se tornou num verdadeiro movimento.
Obviamente, não faltam controvérsias e leituras divergentes sobre o facto de Joshua e Ryan terem deixado os seus postos empresariais (mais as suas mansões e carros de gama alta), para abraçarem o minimalismo. Se há quem enalteça os princípios que ambos defendem, há quem os julgue uns gurus hipócritas ou uns meros privilegiados que tiveram a possibilidade de escolher um estilo de vida alternativo. Para os próprios, o importante era que as suas existências ganhassem significado. Terem uma vida com menos, depois de alguns anos passados na abundância.
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Quando as batatas são dinheiro
É inegável que os dois minimalistas, antes da frugalidade, conheceram o mundo do luxo. Noutras realidades, porém, o minimalismo acaba por ser uma imposição resultante da escassez. O minidocumentário The Trader (que recebeu o título português Sovdagari: O Mercador) permite observar um pouco do que é, em pleno século XXI, a vida rural na Geórgia. Vencedor do prémio do júri no Festival de Sundance, a curta-metragem de 2018 segue um comerciante nas suas incursões por aldeias remotas, onde a pobreza é tão extrema que os artigos à venda são adquiridos com… batatas. Apesar de os tubérculos serem moeda de troca, por aquelas paragens não existe abundância de recursos; os campos de terra escura não geram os quilos de batata suficientes para os aldeães comprarem aquilo de que precisam, muito menos aquilo que ambicionam.
Sem necessitar de narração, o documentário fixa-se nos olhares tão deslumbrados quanto angustiados dos miúdos e graúdos que espreitam para o interior da furgoneta, um espaço cheio de sonhos em forma de pistolas e carrinhos de plástico, panelas e utensílios de cozinha, sapatos e galochas, vestidos e pijamas. Que faz o marcador, depois, com os sacos de batatas arrecadados ao longo da sua viagem? Leva-os para a capital Tbilissi e vende-os no mercado. Recebe em notas e moedas. Então, descansa uns dias, antes de carregar a carrinha com novos artigos e fazer-se à estrada. Será que, desta vez, a velhinha conseguirá ter as batatas suficientes para o ralador de que tanto necessitava?
Viver em condições de pobreza extrema
Atravessemos oceanos para aterrar noutro continente, em busca de outro exemplo desta economia da escassez. No documentário Living on the Dollar (2013), quatro jovens norte-americanos decidem viver durante dois meses numa aldeia da Guatemala, munidos apenas da sua amizade, de câmaras de vídeo e de um orçamento limitado: um dólar por dia.
Como podem Chris, Sean, Zach e Ryan sobreviver aos 56 dias da experiência apenas com 56 dólares, tendo de combater a fome, os parasitas e o permanente stresse financeiro de não terem dinheiro para quase nada? Pois bem, sobrevivendo, tal como fazem diariamente numerosas populações pelo mundo inteiro. Segundo um relatório do Banco Mundial, no final de 2020, cerca de 719 milhões de pessoas subsistiam com menos de 2,15 dólares por dia. E é nesse cenário de pobreza extrema que os quatro amigos vão descobrir, entre crescentes dúvidas e incredulidades, algumas respostas: a importância da generosidade, da resiliência ou da simples esperança por um amanhã melhor.
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Freeganismo em Portugal
E por cá? Em Desperdício Desperdiçado, documentário de 2018, o realizador Pedro Serra propôs-se acompanhar alguns praticantes do freeganismo (termo saído da junção de vegan e free). No panorama mais radical do movimento, há quem evite gastar um cêntimo que seja; para o conseguir, ocupam-se casas abandonadas e recolhe-se comida nos contentores junto aos supermercados. Muitas vezes, a entreajuda e a troca direta revelam-se cruciais para a subsistência. Neste espírito de solidariedade entre os respigadores, há quem utilize as sobras dos mercados para confecionar refeições vegetarianas, as quais são fornecidas gratuitamente à comunidade dos sem-abrigo.
Pelo meio das abordagens mais puristas, o documentário também dá espaço às pessoas que, sem prescindirem de algumas comodidades da vida moderna, traçaram o objetivo de gastar menos dinheiro e reduzir a pegada ecológica. Nestes casos, a criatividade é peça chave no encontrar de soluções minimalistas. Exemplo prático: instalar uma bicicleta fixa com ligação à maquina de lavar roupa – ou, em alternativa, um sistema de pesos e contrapesos – para que esta possa funcionar movida a energia humana em vez de energia elétrica.
Capitalismo vs. uma-data-de-ismos
Na vertente empresarial, o movimento assume a forma de projetos que visam aproveitar o desperdício. O documentário dá-nos a conhecer uma empresa que recolhe sobras de restaurantes para as redistribuir por quem necessite de comida; um banco de horas em que as pessoas trocam horas de trabalho nas suas áreas de especialidade por horas de trabalho de outras valências; um supermercado online que disponibiliza com desconto os produtos que ultrapassaram a data de “consumir de preferência antes de”, mas que se mantêm em perfeitas condições.
Visto o filme, fomos à procura de reações por parte dos internautas. Encontrámos muito poucas, como se o tema ainda nem fosse tema. E as que havia? Bem podíamos voltar ao princípio e às polémicas em redor dos minimalistas norte-americanos. Às vezes, nesta era das redes sociais, a discussão parece reduzir-se à inevitabilidade da polarização. De um lado, o capitalismo; do outro, os anticapitalistas.
Pois bem, não esperem que declaremos um vencedor O nosso papel é apenas o de entreabrir portas. Um mínimo que seja. Um bocadinho só. Depois, quem quiser que espreite pela frincha.
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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.
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