Perante um mundo tão conturbado, talvez saiba bem um texto que nos devolva a confiança no ser humano. Afinal, será assim tão difícil encontrar gente bondosa? Segundo a sabedoria popular, nem sim, nem não.
Como sempre, há vários ângulos sobre o assunto, desde o singelo "Aceita o bem, conforme vem" que nos faz não ter expetativas elevadas, até ao "Ao bem busca-o e ao mal espera-o", que nos incita a termos um comportamento bondoso, mas nos avisa que não devemos estranhar se tivermos retribuição contrária aos nossos atos.
Um menu de atos bondosos
Pois bem, se assim quisermos, não faltam formas de sermos bons. Tudo pode depender, também, daquilo de que os outros precisam, como sintetiza o provérbio "Ao que tem fome dá o teu pão, mas ao triste dá-lhe o coração". O tema da bondade, diga-se, era dos mais considerados no Livro dos Mil Provérbios, de Ramon Llull. Já nesse início do século 14 choviam conselhos para praticar o bem em vez do mal, alguns dos quais, obviamente ligados à religião. "Se não tens bondade, não tenhas esperança em Deus", avisava-se, mas a família também recebia grande parte das atenções, como se constata nestes cinco exemplos:
- "Ama mais teu parente pela sua bondade que por sua antiga linhagem."
- "Louva mais teu parente pela sua bondade que pela sua riqueza."
- "A bondade natural de teu coração e a bondade natural de teu parente são parentes."
- "Ama mais em tua mulher a bondade que a beleza."
- "Pela bondade que tu tens por costume não desculpes teu malvado parente."
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Das intenções ao concreto é só um passo
Quase poderíamos limitar-nos a esta compilação de 1302, tantas são as máximas ali encontradas sobre o tema. "Se tens força de coragem com bondade és fortemente bondoso", assegura-se. Porém, só isso pode ser insuficiente: "Não te julgues ser salvo por tua bondade", até porque, "Tua bondade natural morre quando fazes o mal". Bem sabemos que uma coisa é querer, outra é fazer. "A intenção tanto requer sabedoria quanto bondade", defendia-se, já nesses tempos longínquos, e ainda hoje é frequente ouvir-se dizer que "O inferno está cheio de boas intenções".
Por essa mesma razão, e porque "trabalha-se mais na vida humana para evitar os males, que para conseguir os bens", dizem-nos, mas nós não queremos ir por essa via. Andamos à procura do pessoal mesmo bom, aquele que abre as suas portas, pois "casa onde comem dois, comem três", e sem necessidade de o apregoar. "Depois de um belo gesto, não faças um manifesto", sugere-se, até porque "Quem dá para receber não dá". Por outras palavras, "Se dás, esquece; se receberes, recorda". Ou, se recorrermos às máximas mais intrincadas do Conselheiro Rodrigues de Bastos, "A falsa bondade é como a hipocrisia que, quando deixa cair a máscara, é ainda mais feia que a impiedade manifesta".
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Atenção que bondade não equivale a santidade…
O que é preciso, segundo a sabedoria popular, é acreditar que o ganho está na ação. "Bem fazer nunca se perde", assegura-se. Portanto, "faz bem, não olhes a quem." Se bem que às vezes… Sim, há gente ingrata, e o mundo não é povoado de unicórnios e feito de arco-íris. Mas o povo gosta mesmo de acreditar na humanidade. "O mal, às vezes, triunfa; mas nunca vence", já se listava no dicionário do Major Hespanha, em 1936. Ponham-se de lado ressentimentos? "O bom não quer mal ao mau", até porque "O mau crê nas maldades e o bom, nas virtudes". Há aqui, portanto, uma questão de princípio. Mas isto de ser humano também implica dúvidas e fragilidades, não é?
A bondade, enfim, também poderá ter os seus limites. Para evitar abusos. "Benvindo o hóspede que não fica muito tempo", avisa o povo, ciente de que isto de dar tem o seu custo. Querem mais exemplos de cautelas nisto da generosidade?
- "Do dinheiro e da bondade, metade de metade."
- "Ninguém dá o que não tem, nem mais do que tem."
- "Quem dá o que tem, não fica a mais obrigado."
- "Muito dar também dói."
A generosidade de quem chegou até aqui
É quase salutar que alguém nos sossegue sobre esta sensação de perda quando se dá alguma coisa. Até pode ser apenas por um segundo. Não nos martirizemos demasiado com isso, nem caiamos no julgamento fácil dos outros, pois "Muitas vezes sob um fato vil se encontra um coração gentil". Não acreditam? Se o povo o diz… E o nosso amigo Conselheiro também o corrobora. "Nem todos os homens podem ser grandes, mas todos podem ser bons." E com isto nos pusemos a pensar sobre qual terá sido o nosso contributo positivo de hoje. Este texto já conta?
Deixem lá ir vasculhar nos nossos dicionários algo que suporte esta tese… "Para que é isto bom?", questiona o Conselheiro. "Eis aqui o que cada um deve perguntar a si mesmo, antes de falar, ou de obrar." Ora, senhor Conselheiro, em nossa defesa, achámos, sinceramente, que valia a pena umas palavras a exaltar a bondade. Já se dizia na Collecçao de Provérbios, Adágios, Rifãos, Anexins, Sentenças Morais e Idiotismos da Lingoa Portugueza, de 1848, que "Só dá quem tem e quem te quer bem". Por aqui, gostamos de dar palavras. Ainda assim, por precaução, ainda vamos pensar noutra boa ação. Até lá, fica o obrigado a quem chegou a esta última linha. Para quem escreve, não existe melhor generosidade alheia. Deram muito, acreditem. E "quem mais me dá, mais meu amigo é".
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