O mundo da aviação é tão complexo quanto fascinante. O grande ecrã tem explorado o tema, seja em séries que deslindam as causas de acidentes aéreos, seja em filmes que retratam feitos heroicos da história da aviação, desde aterragens em condições extremas aos pioneiros das travessias transoceânicas.
Da mesma forma, os jogos de tabuleiro pegaram nas aeronaves e, o que é mais importante no nosso caso, deram-lhes um pendor bastante económico. Apertem os cintos, que estamos prestes a descolar.
Investir numa companhia, lucrar na bolsa
A nossa primeira paragem é em Airlines Europe (2011), jogo em que somos convidados a expandir várias companhias aéreas através do mapa europeu. Criado pelo mesmo autor do famosíssimo Ticket to Ride (no qual os jogadores disputam cobiçadas linhas de caminho-de-ferro), a versão mais recente deste Airlines consiste essencialmente num jogo de compra e venda de ações: os pontos de vitória são precisamente atribuídos em função do ranking das companhias na bolsa de valores.
Cada jogador começa com um portefólio que inclui ações de duas companhias diferentes. A partir daí, no seu turno, o investidor pode comprar rotas aéreas contíguas à cidade-base das várias companhias (ninguém é dono de uma companhia específica, podendo investir-se em qualquer uma), numa expansão progressiva pelo continente europeu.
Ao pagar-se o custo da rota, o valor das ações da respetiva companhia aumenta. Depois, para concretizar a estratégia delineada, será preciso jogar cartas de ações que estão ocultas na mão do investidor ou, em alternativa, adquirir ações da companhia especial Air Abacus, que, se não tem aviões no mapa, distribuirá chorudos dividendos aos seus acionistas, nas três rondas de pontuação.
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Nem sempre o maior é o mais valioso
E se faltar dinheiro para investir? Então, o jogador pode pedir ao banco 8 milhões (milhões, claro, estamos a falar de um jogo de aeronaves!). Mas não se pense que se pode abusar deste estratagema de financiamento. O dinheiro do banco é limitado e, para evitar o açambarcamento dos recursos monetários, uma falência bancária espoleta um mecanismo de bancarrota em que cada jogador apenas pode ficar com 8 milhões na sua conta; se tiver mais do que isso, o dinheiro vai direitinho para reabastecer o banco.
Ainda que Airlines Europe seja relativamente simples quanto às opções disponíveis para o jogador, o sucesso exigirá um misto de estratégia e alguma sorte nas cartas. O investimento nas diferentes rotas terá de ser feito tendo também em conta as intenções dos adversários. Por exemplo, se uma das companhias aéreas mais pequena conseguir completar a sua rota especial, isso aumentará bastante a respetiva cotação.
De repente, a companhia mais valiosa pode já nem ser a que tem mais aviões colocados no tabuleiro. Bolas, porque é que só apostámos nos gigantes? A imprevisibilidade do jogo, assente nesta flutuação do mercado bolsista, acaba por deixar os investidores na dúvida sobre quem será o vencedor.
Comprar, comprar, para depois vender, vender
Por falar em gigantes, o jogo Pan Am (2020) inspirou-se no vasto domínio aéreo alcançado pela Pan American Airways durante parte do século XX. À volta de um tabuleiro com o mapa-múndi, os jogadores assumem o comando de uma companhia aérea – bem como dos seus engenheiros e aviões –, imersa na terrível luta pelos direitos de exploração das rotas comerciais. Mas, o objetivo, ao contrário do suposto, não será o de combater o império emergente da Pan Am.
A vantagem de garantir os direitos para aterrar em cidades tão exóticas como Beirute, Tóquio ou Lisboa será a de mais tarde os poder vender, aproveitando a inesgotável sede de expansão evidenciada pela companhia norte-americana. Parte do dinheiro angariado servirá inclusivamente para comprar ações da Pan Am.
No final, quem tiver mais ações da empresa sediada em Miami ganha o jogo, mas, até lá chegarem, os jogadores terão de competir ferozmente em leilões públicos para adquirirem novos e mais potentes aviões (do pequeno trimotor inicial ascende-se até ao glorioso avião a jato), construírem aeroportos em cidades-chave ou assegurarem as tais rotas que possam vir a ser cobiçadas pela Pan American.
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Contas de milhões aplicáveis aos tostões
Na pretensão de recriar quatro décadas que tiveram um impacto profundo na indústria aeroespacial, cada ronda começa com uma carta de acontecimento histórico, mediante o qual se estabelece a flutuação do preço das ações, bem como o número de expansões que a gigante norte-americana executará. Depois, será o rolar de um dado a determinar a geografia dessas expansões; se pela Europa, pela América do Sul, pela região da Ásia-Pacífico… Caso um jogador detenha uma dessas rotas, bingo! Vende-a à Pan Am, obtendo uma bela margem de lucro.
Antes de passar à ronda seguinte, surgirá a oportunidade de investir no mercado bolsista. Nesse passo, convirá que o jogador não gaste as fichas todas, guardando o necessário para novos investimentos em aviões e rotas. E será preciso um cuidado redobrado na altura de fazer os lances no leilão, pois, se o jogador não tiver dinheiro para cobrir a sua oferta, será obrigado a vender as suas preciosas ações, com prejuízo, até cobrir o montante em falta.
Resumindo: por mais tentador que seja querer arrebatar a ligação entre a Horta, nos Açores, e as ilhas Bermudas, é melhor fazer umas continhas prévias. No caso de Pan Am, as boas contas são meio caminho andado para o sucesso empresarial. E apetece perguntar: se conseguirmos gerir de forma eficaz e inteligente uma companhia aérea, com tantos milhões à mistura, quem diz que não conseguiremos fazer o mesmo com o nosso lar?
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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.
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