Ter consciência digital é o primeiro passo para fazer um uso moderado das tecnologias e zelar pela sua saúde mental. É inquestionável o contributo que as tecnologias, como a internet e os aparelhos móveis, têm dado para a melhoria da qualidade de vida, contudo, a sua utilização abusiva acarreta riscos, nomeadamente a dependência tecnológica.
Para evitar que esta dependência dê origem a transtornos mentais é necessário reconhecer os sintomas de adição e conhecer as consequências, por forma a adotar estratégias e novos hábitos para uma relação saudável com a tecnologia.
O que é a dependência tecnológica
Quando um indivíduo se encontra dependente significa que não se consegue desligar de um hábito ou de um vício, independentemente das consequências negativas que este possa trazer para o seu bem-estar.
No caso de dependência tecnológica falamos da necessidade de o indivíduo estar conectado de forma contínua, ou cada vez mais frequente, às tecnologias de informação e comunicação, nas suas várias dimensões: internet, redes sociais, jogos on-line, dispositivos com ecrã.
Este fenómeno é relativamente recente e não existem muitos estudos acerca do mesmo, ainda assim, é considerado uma perturbação psicológica e comportamental que pode afetar a qualidade de vida do indivíduo de forma significativa.
FOMO - Fear of Missing Out
O fenómeno da dependência tecnológica pode ser recente, mas quando se investiga mais a fundo, existem conceitos relacionados que já têm décadas de existência, como o FOMO.
O conceito FOMO (Fear of Missing Out) começou a ser estudado em 1996 por Dan Herman, um estratega de marketing, enquanto escutava consumidores a falar sobre produtos, em grupos de discussão e em entrevistas individuais. Contudo, foi apenas em 2004 que o termo começou a ser popularizado, quando Patrick J. McGinnis escreveu sobre o mesmo na revista The Harbus, pertencente à Harvard Business School, onde estudava.
O conceito evoluiu e passou a estar associado às redes sociais. Inclusive, o dicionário português Infopedia define FOMO como: «medo de ficar de fora (forma de ansiedade que ocorre em alguém por não estar a par de tudo o que acontece numa determinada rede social)».
Neste sentido, o medo de ficar de fora encontra-se diretamente relacionado com a necessidade constante de consultar as redes sociais, devido ao receio de perder alguma informação/ oportunidade/ evento importante.
Este medo de ser excluído leva à dependência, gerando uma forma de ansiedade social.
O documentário da Netflix “O Dilema das Redes Sociais” aborda este tema de forma muito relevante, levantando questões de ética prementes para repensar a relação com as redes sociais.
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Grupos e fatores de risco
Um estudo realizado pelo ISPA (Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida) refere que:
«A dependência on-line é transversal a todas as gerações. A geração cordão é aquela que não desliga, que tem dificuldade nas competências sociais, na auto regulação emocional e no processo de autonomia.»
Apesar de transversal, a verdade é que vários estudos mostram que esta dependência afeta sobretudo crianças, adolescentes e jovens adultos. O projeto português Geração Cordão – A Geração que não Desliga dedica-se precisamente ao estudo da relação de várias gerações de crianças e jovens nascidos na era digital com as tecnologias de informação e comunicação.
Contudo, para além do fator etário existem outras características identificadas como fatores de risco para o desenvolvimento da dependência de tecnologia, nomeadamente: indivíduos insatisfeitos com a sua vida pessoal, com baixa autoestima, carências afetivas, timidez excessiva, problemas familiares, dificuldades na comunicação ou até que sofram de ansiedade e depressão.
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Sintomas de dependência tecnológica
Para aumentar a consciência digital é importante saber reconhecer os sintomas de adição, tais como:
- Inquietação quando não está ligado online, não conseguindo deixar de pensar nisso;
- Irritação quando não se consegue ligar ou quando a conexão está lenta;
- Mentiras a amigos, colegas ou familiares sobre o tempo passado online e/ou sobre o tipo de conteúdos visualizados;
- Privação de sono;
- Perda de interesse em socializar ou praticar atividades que antes lhe traziam prazer, como exercício físico;
- Diminuição do rendimento, académico ou profissional;
- Negação perante a possibilidade de uma possível adição.
Consequências da dependência tecnológica
A utilização excessiva e abusiva da tecnologia apresenta diversas consequências:
Físicas: sedentarismo, obesidade, fadiga, problemas visuais, má postura e problemas músculo-esqueléticos, problemas de audição e acidentes;
Psicossociais: cyberbullying, isolamento social, baixa autoconfiança e problemas familiares;
Mentais: ansiedade, depressão, irritabilidade e hostilidade, privação do sono, hiperatividade e défice de atenção, perturbação bipolar, perturbação obsessivo-compulsiva, tendência para o suicídio e esquizofrenia.
Estratégias para uma relação saudável com a tecnologia
A tecnologia é um dos bens mais valiosos da humanidade, por isso, importa saber como fazer um uso moderado, consciencioso e responsável para usufruir de todas as suas potencialidades de forma saudável.
Até porque, o melhor tratamento para a dependência tecnológica é a prevenção, o que implica, necessariamente, uma mudança comportamental.
Seguem-se algumas estratégias para gerir melhor a relação com a tecnologia.
- Faça um check-up ao seu bem-estar digital
A maioria dos smartphones permite-lhe saber o tempo que passa em cada rede social, por dia, e a média dos últimos 7 dias. Utilize esta informação para avaliar o consumo de informação que está a fazer e, caso verifique uma utilização excessiva, reflita sobre o que poderá estar na origem para poder adotar novos comportamentos.
- Desligue as notificações dos seus aparelhos
As notificações lembram-no que deve consultar o dispositivo e estão constantemente a interromper e a prejudicar o seu foco. Ao desligar as notificações está a tomar uma ação consciente, em vez de ser o seu aparelho a decidir quando vai olhar para ele.
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- Mantenha os aparelhos com ecrã fora do quarto
Para evitar que o seu cérebro esteja em constante alerta, mantenha os aparelhos móveis afastados e evite consumir informação uma hora antes de se deitar para evitar estímulos e potenciar uma boa noite de sono reparador.
- Ao acordar evite consultar de imediato os dispositivos
Aguarde pelo menos uma hora até entrar em modo digital, caso contrário o cérebro vai associar todos os conteúdos a mais um dia cheio de tarefas, causando uma sensação de cansaço antecipado.
- Instale uma aplicação para bloquear outras aplicações
Parece redundante, mas desta forma vai conseguir manter o foco naquilo que é realmente mais importante enquanto utiliza os seus dispositivos. Algumas aplicações têm extensões para o browser podendo assim utilizar tanto no smartphone como no computador (exemplos de aplicações: RescueTime, Freedom, QualityTime).
- Crie momentos para desconectar
7 formas de exercitar o seu cérebro sem telemóvel ou televisão
Imagine uma hora por dia sem aceder (de todo) ao seu telemóvel, o que poderia fazer nesse período sem recurso a dispositivos com ecrãs? Vá mais longe e envolva toda a sua família. Defina um fim de semana de detox digital em que todos voltarão a estar em convívio “à moda antiga”. Desafie-se, a si e à sua família, e observe os resultados: fácil, difícil ou impossível?
- Controle os tempos de utilização de tecnologias
Especialmente se tem filhos, o melhor a fazer para prevenir esta dependência é educá-los desde o primeiro contacto para fazerem um consumo moderado, o que pode passar por estabelecer limites e por educar as crianças no autocontrolo do prazer e bem-estar imediato.
- Seja seletivo no consumo de informação
Preste atenção ao tipo de conteúdos que consome. As fake news são uma realidade e a internet está repleta de informações falsas, negativas e teorias de conspiração. Tenha cuidado com o que expõe ao seu cérebro pois também isto influencia o seu bem-estar mental.
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JOMO – Joy of Missing Out
Substitua o FOMO pela JOMO e sinta alegria pelo que está a “perder”.
Na realidade trata-se de uma mudança de mentalidade, em vez de sentir receio de poder estar a perder algo importante passa a sentir alegria por ser capaz de dizer “não” a algo que não contribui para o seu bem-estar. Desta forma, encontra um estado de tranquilidade ao perceber que é livre para poder desfrutar daquilo que realmente quer e para escolher se quer ficar de fora, longe do burburinho digital.
Em resumo, para ganhar consciência digital precisa em primeiro lugar de avaliar a utilização que faz das tecnologias ao seu dispor. Em segundo lugar, perceber como essa utilização impacta a sua produtividade e o seu bem-estar mental, reconhecendo sinais que demonstrem algum tipo de adição. E, por último, deve colocar essa consciência ao serviço da sua saúde mental, adotando estratégias para alterar os comportamentos e evitar a dependência tecnológica, usufruindo de uma melhor qualidade de vida.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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