A Demografia, disciplina que estuda as populações, a sua distribuição e caraterísticas é, muito provavelmente, uma das ferramentas mais importantes para entender um dado mercado residencial.
Quando se discute os preços da habitação de um determinado lugar, uma das primeiras coisas às quais se deve ter atenção é à evolução do número de habitantes. No caso de Portugal, a população total está relativamente estável.
Segundo os Censos de 2021 a população nacional desceu ligeiramente (2,1%) face a 2011, assim como o número de habitantes nas cidades de Lisboa e Porto. Mas estes números não encerram uma análise do mercado residencial sob uma perspetiva demográfica.
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Número de habitantes em Portugal pouco mudou. Está mesmo tudo na mesma?
Nem por isso. O número de residentes estrangeiros aumentou consideravelmente. Segundo o recém-extinto Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em 2022 havia 781.915 cidadãos estrangeiros com residência oficial em Portugal, dos quais 512.141 (65,5%) estão registados nos distritos de Lisboa, Faro e Setúbal.
Ainda há 10 anos, em 2013, o número total de estrangeiros a residir legalmente em Portugal não chegava aos 400.000.
Como podemos ver no gráfico abaixo, parte do Relatório de Imigração Fronteiras e Asilo de 2022, esta evolução acentuou-se nos últimos anos.
Mas se o número total de habitantes se mantém, que relevância poderá ter a sua nacionalidade? De acordo com a publicação de 25 de outubro do Instituto Nacional de Estatística (INE), “nas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa, o preço mediano (€/m2) das transações efetuadas por compradores com domicílio fiscal no estrangeiro superou, respetivamente em mais 61,3% e 91,6%, o preço das transações por compradores com domicílio fiscal em território nacional”.
Ou seja, os dados do INE sinalizam que as casas compradas por pessoas com domicílio fiscal no estrangeiro, tendem a ser significativamente mais caras do que aquelas que são compradas por pessoas com domicílio fiscal em Portugal.
Por agora registamos a informação. Voltaremos a ela nos capítulos dedicados à oferta e à procura para tentar entender em que medida é que estes dados poderão ser mais ou menos relevantes para a evolução do mercado residencial.
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A conjugalidade
A década de 70 do século passado e a implantação de um regime democrático trouxeram consigo, entre muitas outras coisas, uma variável que até então tinha uma representação estatística residual: o divórcio. Até há exatamente meio século, o número de dissoluções de casamentos não atingira nunca o milhar por ano civil.
Recorro agora a um segundo gráfico (abaixo) para convidar os leitores a comparar os 4.875 divórcios registados em 1976 (o triplo dos verificados nos 12 meses anteriores), o mesmo ano em que é aprovada a atual constituição portuguesa, a qual, além de consagrar o direito à habitação, prevê também que “os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos”; com os 15.098 divórcios de 1998, o valor mais baixo dos últimos 25 anos.
Sendo que, aquilo que o terceiro gráfico (abaixo) nos permite entender é que, à medida que o número de divórcios disparava, o número de casamentos diminuía, especialmente do ano de 2000 em diante (a redução mais acentuada em 2020 e o crescimento nos dois anos seguintes pode ser atribuída às restrições pandémicas).
Não sei dizer quantas pessoas há hoje em Portugal, com 30, 40 ou 50 anos, que independentemente do seu estado civil vivem (ou ambicionam viver) sozinhas. O que sabemos todos, porque os Censos de 2021 o evidenciam, é que, face a 2011, subiu o número de agregados familiares com uma e duas pessoas, e desceu o número de agregados com três, quatro e cinco pessoas. A que acrescentaria a seguinte informação: o número de agregados familiares de 4 pessoas já havia decrescido em 2011, e o número de agregados familiares com 5 pessoas vem acumulando reduções sucessivas desde 1970.
Mas que significa tudo isto? Que há uma tendência demográfica evidente: há mais agregados familiares, mas tendencialmente menos numerosos. E, por conseguinte, e ainda que a população total não esteja numa trajetória ascendente, poderá haver necessidade de um maior número de habitações disponíveis. Mesmo que as necessidades face às dimensões ou número de divisões destes fogos possam, pelo menos no plano teórico, ser mais reduzidas.
Quando tanto se fala na necessidade de incremento de habitação de iniciativa pública, será muito importante que governos e autarquias tenham presente estas (e eventualmente outras) dinâmicas demográficas, para melhor tentarem conformar a oferta de fogos, às caraterísticas e necessidades da população.
Aos dias de hoje, a ideia de que é necessário edificar e reabilitar mais, é relativamente consensual. Mas quanto mais se souber sobre os potenciais destinatários desses empreendimentos, mais adequada será essa oferta.
E é precisamente sobre a oferta que vai incidir a próxima reflexão deste especial habitação.
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