Declarações recentes da Exma Sra. Secretária de Estado da Habitação, Marina Gonçalves, apontam para um insucesso do Programa de Arrendamento Acessível. Diz a Sra. Secretária de Estado: “Não sei como tornar mais atrativa a renda acessível”. De facto, o que faltará a um programa que concede benefícios fiscais? Não é isso que move sempre qualquer investidor, principalmente no imobiliário?
Procuremos então entender como funciona esta medida e em que situações pode ser vantajoso a um proprietário aderir à mesma.
O que é o Programa de Arrendamento Acessível?
Criado no âmbito de um conjunto mais alargado de políticas públicas na habitação, e convertido em lei através do Decreto-Lei n.º 68/2019, o Programa de Arrendamento Acessível pretende "contribuir para dar resposta às necessidades habitacionais das famílias cujo nível de rendimento não lhes permite aceder no mercado a uma habitação adequada às suas necessidades", pode ler-se no portal da habitação.
O programa tem adesão voluntária da parte de proprietários e inquilinos. Os primeiros irão obter um benefício fiscal; os segundos aceder a uma habitação com rendas mais baixas que as praticadas pelo mercado.
E se os preços das casas caírem?
Com este instrumento, o Governo pretende então atingir senhorios privados que aceitem colocar casas no mercado de arrendamento a um valor de renda abaixo da referência de mercado, tendo como contrapartida um benefício fiscal.
Essa renda, além de outros fatores, deverá ter como limite 80% desse valor de referência que é atribuído pelo INE. Este publica semestralmente as rendas medianas na habitação para novos contratos de arrendamento, estatística que servirá então como referência para o estabelecimento do nível máximo de rendas a cobrar em cada situação.
Em contrapartida do proprietário cobrar uma renda abaixo daquela que à partida conseguiria obter no mercado, terá um benefício fiscal que se consubstancia numa isenção de tributação sobre os rendimentos prediais.
Já os inquilinos terão, assim, acesso a habitações com rendas abaixo das praticadas no mercado. Para poderem aceder a este programa, terão de ter um rendimento anual máximo 35.000 euros brutos, no caso de se tratar de uma pessoa sozinha. Já um agregado constituído por duas pessoas deve ter um rendimento inferior a 45.000 euros. A partir daí por cada pessoa extra que integre o agregado, somam-se 5.000 euros brutos anuais.
Os contratos de arrendamento deverão ter um prazo mínimo de 5 anos, prorrogável por acordo entre as partes. É ainda possível o arrendamento de partes da fração (leia-se quartos), por exemplo para residência temporária de estudantes no ensino superior.
Então porque é que o programa não está a funcionar?
Há várias razões que podem ser apontadas. Desde logo, opinião pessoal, pura desconfiança. Há muito que os senhorios desconfiam do papel do Estado no arrendamento residencial. E essa desconfiança afasta inevitavelmente o setor privado deste (e de outros) programa.
Acresce o facto de a base do programa assentar num pressuposto de rendas abaixo de um referencial. Teoricamente, até se poderia aceitar tal pressuposto. Mas na prática não funciona porque esse referencial pouco espelha a realidade do mercado. A estatística produzida pelo INE devolve valores medianos que aparentemente estão abaixo de muitos que na realidade são praticados pelo mercado.
Feitas as contas, provavelmente poucos senhorios beneficiarão desta troca de rendas mais baixas vs. poupança fiscal. Para muitos, ainda será mais benéfico (e mais seguro) manter rendas de mercado e pagar a totalidade do imposto.
Logo, se apenas uma pequena franja do mercado está disposta a aderir ao programa, então pouco efeito terá no objetivo de redução de rendas no mercado.
Em que situações se pode tornar benéfico aderir ao programa?
Naturalmente, há condições mínimas para um proprietário aderir ao programa, nomeadamente no que respeita a segurança, salubridade e conforto. O portal da habitação disponibiliza, inclusive, um simulador da renda máxima a cobrar em função da localização do imóvel, modalidade do alojamento (parte ou total) e suas características.
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Feita a simulação, um proprietário deverá então comparar a renda obtida com a renda que espera conseguir cobrar no mercado. Caso o diferencial seja superior ao imposto sobre rendimentos prediais devido em circunstâncias normais, à partida deverá optar por não aderir. Caso contrário, a adesão pode tornar-se vantajosa.
No entanto, é também necessário ter em linha de conta o prazo do contrato. Aderindo ao programa, o contrato terá uma duração mínima de 5 anos. Não aderindo, e colocando o imóvel no mercado, a tipificação do prazo do arrendamento é já livre entre as partes e pode assumir um período temporal mais curto.
Nesse caso, se porventura o proprietário acreditar que o mercado de arrendamento vai registar uma subida de rendas no curto-médio prazo, talvez seja mais interessante colocar o imóvel no mercado; por seu turno, se a expetativa for de descida das rendas, pode ser interessante “bloquear” já por um prazo mais longo uma renda (mesmo que abaixo do valor atual de mercado) e ainda obter benefício fiscal.
Bons negócios (imobiliários)!
Gonçalo Nascimento Rodrigues é Consultor em Finanças Imobiliárias, tendo trabalhado em empresas como Ernst & Young, Colliers International e Essentia. É Coordenador e Docente numa Pós-Graduação em Investimentos Imobiliários no ISCTE Executive Education. Adicionalmente, exerce atividade de consultoria, prestando serviços de assessoria ao investimento imobiliário. Detém um master em Gestão e Finanças Imobiliárias e um master em Finanças, ambos pelo ISCTE Business School, além de uma licenciatura em Gestão de Empresas na Universidade Católica Portuguesa. É autor do blogue Out of the Box.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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