Em Portugal, é aos 18 anos que atingimos a maioridade. É nesta altura que, segundo a lei, somos livres para exercer livremente os nossos direitos, cumprir obrigações e cuidar do nosso património - como qualquer cidadão e sem necessitar de ajuda ou intervenção de outro. No entanto, há situações em que as pessoas, apesar de maiores de idade, por diversos motivos (saúde, deficiência, entre outros) precisam de apoio para tratar de alguns ou de todos aspectos da sua vida. É para estas pessoas que existe o Regime do Maior Acompanhado.
O Regime do Maior Acompanhado, que entrou em vigor em 10 de fevereiro de 2019 (Lei n.º 49/2018), veio substituir o anterior Regime da Interdição e da Inabilitação, estabelecido pela legislação portuguesa desde o Código Civil de 1966. Neste artigo vamos analisar o que mudou com a aprovação desta nova lei e, ainda, dar-lhe a conhecer os principais aspectos deste regime.
As limitações do Regime da Interdição e da Inabilitação
O Regime da Interdição e da Inabilitação era aplicado em todos os casos em que as pessoas se mostrassem incapazes de gerir a sua própria vida, ou seja, que não conseguiam cuidar de si e do seu património. De acordo com a lei até então em vigor, as causas para esta incapacidade eram:
- anomalia psíquica;
- surdez-mudez;
- cegueira;
- comportamentos relacionados com o uso de bebidas alcoólicas e estupefacientes e que os tornassem incapazes.
Este regime era definitivo e, na prática, limitava completamente os direitos da pessoa a ele sujeita. A pessoa interdita passava a ser vista, aos olhos da lei, como um menor: era-lhe atribuído um tutor e esta deixava de poder decidir todo e qualquer aspecto da sua vida, incluindo casar, ter filhos, votar, etc.
Com os avanços na medicina, na tecnologia e mesmo com a evolução a nível social, este regime começou a tornar-se obsoleto e desadequado às sociedades mais modernas. Tornou-se essencial encontrar uma forma de, por um lado, apoiar as necessidades da pessoa incapaz, mas por outro, proteger os seus interesses e salvaguardar a sua dignidade. Principalmente porque cada pessoa possui situações e limitações distintas e, portanto, a decisão deveria ser personalizada a cada caso.
Nesse sentido, surge então, a 10 de Fevereiro, com a Lei nº49/2018, de 14/8, o Regime do Maior Acompanhado, eliminando as figuras da interdição e da inabilitação utilizadas até à data.
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O que mudou com o Regime do Maior Acompanhado
A sentença deixou de ser definitiva, havendo agora uma atualização a cada cinco anos. Deixamos de ter tutores e passamos a ter acompanhantes. O mesmo se passa com o cidadão dito incapaz: deixa de ser denominado de interditado para passar ser chamado de acompanhado.
A diferença é significativa, principalmente ao nível do respeito pela dignidade da pessoa. Com o novo regime, os poderes do acompanhante são definidos de acordo com a necessidade dos acompanhados e mediante deliberação do tribunal. Ou seja, o novo regime baseia-se no facto de as pessoas abrangidas encontrarem-se capazes de realizar determinadas funções e estarem condicionadas em aspectos concretos que o Tribunal irá deliberar, após uma audição e análise de exames médicos. A decisão sobre o que o acompanhado pode ou não fazer é fundamentada pela real capacidade ou incapacidade deste. Deixa de existir, completamente, uma decisão rígida e pré-fixada que, numa situação de incapacidade, transformava o cidadão em “interdito” e sujeito a um tutor.
Nesse sentido, em que consiste este Regime do Maior Acompanhado? Estes são os 6 aspectos que deve saber.
1 - A quem se destina o Regime do Maior Acompanhado?
Este novo regime destina-se a todas as pessoas que não consigam, de um modo consciente, livre e autónomo, sem apoio ou intervenção de outra pessoa, cumprir as suas obrigações, cuidar dos seus bens e exercer os seus direitos. É uma solução para situações de demência ou deficiência mental, por exemplo, onde existe maior dificuldade na tomada de decisões consciente. Estas podem ser decisões mais simples do dia a dia (compras para a casa, tipo de alimentação ou a contratação de um serviço de telecomunicações) ou questões mais complexas (consentimento para uma cirurgia ou venda de uma casa).
O objetivo deste regime é a proteção da pessoa acompanhada, e tem em conta a situação particular de cada um. Isto significa que é tido em conta se a pessoa não possui capacidades para tomar decisões legais e/ou tratar de outros assuntos igualmente complexos. Mas, por outro lado, é perfeitamente capaz de continuar a cuidar da sua casa e dos seus filhos.
2 - Como ter acesso ao regime?
O pedido de acompanhamento pode ser feito pelo próprio, pelo cônjuge, ou por quem viva em união de facto ou parente próximo, mediante autorização do próprio. Nos casos em que a pessoa não aceita pedir este acompanhamento, apesar de estar em situação de fragilidade, o tribunal poderá decidir sem autorização do próprio.
Para isso, deverá dirigir-se ao Ministério Público do tribunal mais próximo da sua área de residência ou através de um advogado. Em caso de falta de meios financeiros poderá recorrer ao apoio judiciário. Para formulação do pedido, é importante que seja entregue toda a documentação clínica relevante e todas as informações sobre a pessoa que se pretende nomear como acompanhante.
3 - O acompanhante pode não ser familiar e pode haver mais do que um acompanhante
Não existe uma obrigação de que o acompanhante tenha que ser familiar, principalmente se o pedido vier diretamente da pessoa que pretende ter acesso ao regime. Pode ser indicada qualquer pessoa como acompanhante, desde que essa pessoa não esteja ela própria a ser acompanhada e que se encontre no pleno exercício dos seus direitos.
Quando a escolha é feita pelo tribunal, este procura nomear quem possa salvaguardar melhor o interesse do beneficiário, tais como: o cônjuge, a pessoa com quem vive em união de facto, um dos filhos maiores, pais, avós ou uma pessoa da instituição que frequenta. Além disso, poderá haver mais do que um acompanhante e, nesse caso, o tribunal irá definir quais as funções de cada um.
4 - O Regime não é igual para todos
Uma das grandes novidades é que com este regime cada sentença é ajustada ao caso particular da pessoa. O tribunal pode ditar, se assim o entender, que o acompanhado decida sobre a sua vida sentimental, podendo escolher se e com quem pretende casar, mas este já não poderá tomar decisões relativas ao seu património.
Da mesma forma, as funções do acompanhante acabam, também, por diferir. De uma forma geral, o acompanhante tem como missão zelar pelo bem estar do acompanhado. As tarefas concretas, essas serão determinadas pelo tribunal.
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5 - O Regime do Maior Acompanhado não é definitivo
A lei atual prevê que todas as situações sejam revistas de cinco em cinco anos, mas, caso a evolução do acompanhado o justifique, a decisão pode e deve ser revista em qualquer altura, mesmo que não tenham passado os cinco anos. O mesmo acontece com a escolha do acompanhante. O acompanhado pode solicitar ao tribunal a alteração do acompanhante se assim o entender.
6 - Pode ser adotado como medida preventiva
Imagine uma situação em que uma pessoa é diagnosticada com Alzheimer. Apesar de, naquele momento, ainda conseguir cuidar de si, provavelmente isso deixará de acontecer com o avançar da doença. Nesta situação, prevendo uma eventual necessidade de acompanhamento, a pessoa poderá dirigir-se a um cartório notarial e elaborar um mandato. Este é uma espécie de contrato que atribui a alguém designado por si, determinados poderes para uma situação futura em que poderá deixar de ter a mesma autonomia ou as mesmas capacidades.
Esta medida preventiva será levada em conta pelo tribunal no momento de aplicação do Regime do Maior Acompanhado.
Estes são os seis principais aspectos sobre o Regime do Maior Acompanhado, uma medida que poderá ser bastante útil em situações de deficiência, perda de capacidades mentais, quer provocado por doença ou por acidente, ou no caso de idosos que já não possuem as mesmas capacidades de outrora para gerir os aspectos mais complicados da sua vida.
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A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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