Cultura e Lazer

Se tristezas não pagam dívidas, então quem as paga?

Dívidas? Ninguém gosta delas. Às vezes, porém, contraem-se e, se tudo correr bem, pagam-se. Há de correr. Basta dar atenção ao que dizem os provérbios, certo?

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Se tristezas não pagam dívidas, então quem as paga?

Dívidas? Ninguém gosta delas. Às vezes, porém, contraem-se e, se tudo correr bem, pagam-se. Há de correr. Basta dar atenção ao que dizem os provérbios, certo?

Comecemos esta viagem pelo lado de quem empresta. Melhor dizendo, de quem nos avisa, logo, que não está para emprestar o seu dinheiro: «O meu dinheiro que é manso, não o quero fazer bravo.» Logo à primeira, talvez tenhamos encontrado um dos Provérbios, Adágios, Rifãos, Anexins, Sentenças Morais e Idiotismos mais deliciosos sobre o tema. Mas calma, o mesmo livro de 1841, compilado por Francisco Roland, tem outros igualmente bons e, como não podia deixar de ser, aparentemente contraditórios, como a expressão «dinheiro morto», que significa dinheiro empatado, estagnado, que não produz juro ou lucro. Pois bem, façamos a vontade ao autor (ou aos provérbios que ele agregou) e veja-se o empréstimo sob a forma de investimento. Eis o que podemos esperar:

«Dinheiro emprestado sai rindo e volta chorado.»

«Quem dinheiro quer cobrar, muitas voltas há de dar.»

«Dinheiro emprestaste, inimigo ganhaste.»

A antiguidade das dívidas malparadas

É quase caso para arrependimento imediato. Aliás, se procurarmos mais um pouco, chovem os alertas em relação aos maus pagadores de dívidas. No mesmo livro de Roland, diz-se que se usa o anexim «ainda não comi ovo da sua galinha» para a pessoa que deve obséquios ou dinheiro, e nada retribui. O mesmo pode ser dito sob a forma «ainda não vi as cruzes ao dinheiro», e já no século XIX se usavam as expressões «dívida malparada» e a inversa «dívida bem-parada» para caracterizar se a dívida estava “em boa firma ou mão” (sendo bem responsabilizada, bem cobrável) ou, pelo contrário, se se tratava de uma dívida “desacreditada, onde não há bens para a satisfazer, onde a sua cobrança é duvidosa”.

Mas não fiquemos com a ideia de que os remoques recaem apenas nos maus pagadores. O povo também tem algo a dizer sobre certa gente que empresta. «A rico não devas, a pobre não prometas», inscreve-se no Dicionário de Provérbios, Locuções e Ditos Curiosos do Reader's Digest, com a seguinte explicação: “Assim como não nos devemos comprometer com pessoas que nos podem oprimir com seu poder, também não devemos iludir aos que nos podem molestar com as suas instâncias. Porque promessa é dívida e também se cobra.”

Leia ainda: Dinheiro: Um cofre a abarrotar de provérbios (volume I)

Pagar tudo e depressinha

Tentemos então fazer um retrato-robô, através dos adágios, de quem se põe no lado de dever a alguém. «Pode dormir quem tem uma dor; mas não dormirá um devedor», avisa-se. Talvez seja caso para nos apressarmos: «No que tiveres de pagar, não te faças demorar.» Não faltam recomendações para que se resolva a situação, como «paga o que deves, e poupa o que fica» ou «paga o que deves, saberás com quanto ficas», esta última vinda de um tempo em que as folhas de cálculo não eram de uso generalizado. Segundo o povo, o esforço de «estar quite» (ou seja, ficar desobrigado da dívida) será sempre recompensado. «É bastante rico quem nada deve», afirma-se. «É melhor deitar sem ceia que levantar com dívidas», aconselha-se. «Quem paga dívida, faz cabedal», sentencia o nosso conhecido Conselheiro Rodrigues de Bastos, sendo que aqui a palavra cabedal nos remete para dinheiro, capital, etc. No livro do Major Hespanha (1936), aparece o mesmo, dito numa fórmula atualizada: «Quem suas dívidas paga, sua fortuna aumenta.»

Cuidado com os dinheiros entre família

«Não o tenhas, não o devas», lista-se também nesse Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios, provando que no mundo dos provérbios tudo pode ser apresentado de forma simplificada. E que dizer desta sentença sem direito a apelo? «Quem deve não tem razão.» Bom, voltemos ao livro do Conselheiro, datado de 1847, para encontrarmos ditos um pouco mais espirituosos e elaborados sobre o tema: «Se queres saber o valor do dinheiro, trata de o pedir emprestado: quem procura um empréstimo, procura um desgosto.»

Nestes desgostos acerca de dinheiros, os provérbios dão especial destaque aos dramas familiares. «Enquanto há dívidas, não há herança», alerta-se; «Foge de contas com parentes, e de dívidas com ausentes», sugere-se. Mas enfim, quando necessário, peça-se, empreste-se e confie-se. E, nesses casos, eis o que a sabedoria popular tem a dizer a quem pediu: «Quem deve cem, e tem cento e um, não teme a nenhum»; já pelo contrário, «Quem tem cem e deve cem, nada tem». Mais dois conselhos aos endividados: «Ao bom pagador, não dói o penhor.»; até porque «Quem paga tarde paga duas vezes.» E conselhos a quem emprestou? «Lembra-se mais o credor que o devedor» parece um preocupante sinal vermelho. Mas também há espaço para um sinal verde de esperança para todos os envolvidos: «Não há prazo que não acabe, nem dívida que não se pague.»

Leia ainda: Dinheiro: Um cofre a abarrotar de provérbios (volume II)

Tristezas, promessas e atos

Deixámos para o final um dos nossos preferidos, extraído do Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios: «Não mudes de moleiro sem lhe pagares primeiro.» Mas conviria não nos esquecermos de expressões que ainda hoje se utilizam bastante e que aparentemente nos remetem para a questão das dívidas. Falamos do «quem não deve, não teme», se bem que este dever esteja mais relacionado com a prestação de contas à justiça. É nesse âmbito que as pessoas de consciência tranquila nada têm a temer. “Quem não é responsável por atos vergonhosos ou desonestos, não precisa inquietar-se”, sublinha a explicação do dicionário do Reader’s Digest. E quanto ao famosíssimo “Tristezas não pagam dívidas”? Bem, segundo o mesmo livro, compilado e anotado em 1974 por R. Magalhães Júnior, trata-se de um “velho provérbio que aconselha as pessoas em dificuldades a não exagerar a significação dos seus problemas”. 

Enfim, falar é fácil, e nisto dos provérbios diz-se muita coisa. Porém, esta referência às tristezas que nos atormentam (e se agigantam) representa uma espécie de estímulo à ação. Se, por um lado, o adágio parece compreender as dificuldades por que as pessoas passam, por outro pretende soar como um incitamento para que se dê a volta por cima. Vamos a isso? Dia a dia, passo a passo, sabedores de que, se as «promessas não pagam dívidas», então, serão os nossos atos a (re)construir a nossa vida.

Leia ainda: A avareza nos provérbios: Condenação quase unânime

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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