Nos últimos anos, o setor financeiro tem sofrido transformações tecnológicas e metodológicas, que permitem a tomada de decisão mais rápida, personalizada e abrangente, especialmente na concessão de crédito.
Em 2013, quando emigrei para o Reino Unido (e onde trabalhei até junho 2024), uma das primeiras decisões que tomei foi obter um cartão de crédito. Não para poder ter um saldo extra para fazer compras, mas sim para construir um histórico de crédito e, desta forma, abrir portas a oportunidades futuras de financiamento.
Este histórico de crédito, chamado de scoring, assume um papel vital nas economias financeiramente mais avançadas, como o Reino Unido ou os Estados Unidos da América. O modelo de scoring é o método utilizado para a avaliação da viabilidade da concessão de crédito, e essa experiência permite-me afirmar com segurança que há grandes benefícios em adotá-lo como principal referência para análise de risco das entidades financeiras e bancárias.
Mas porque é que fui a "correr" fazer um cartão de crédito, mal cheguei ao Reino Unido? Porque sabia que, ao longo da minha estadia naquele país, ia querer comprar e remodelar uma casa. E, para poder aceder a financiamento é preciso ter uma "nota". Essa nota é refletida no scoring que, na prática, diz às entidades financeiras se aquela pessoa é bom pagador ou mau pagador, se toma decisões com risco elevado para as suas finanças ou se não. E, quanto maior scoring tivermos, melhores são as condições de financiamento.
O caso britânico, que conheço bem, pode ser revelador para a realidade portuguesa, onde ainda se verificam práticas mais tradicionais, baseadas em histórico bancário do mapa de responsabilidades do Banco de Portugal e garantias colaterais.
Quais são, então, as vantagens de um modelo de scoring para a atribuição de crédito e o que Portugal pode ganhar ao caminhar nessa direção?
1. Transparência e imparcialidade na avaliação com score
O modelo de scoring utiliza algoritmos que têm em conta dados financeiros e de comportamento de consumo, o que permite uma avaliação mais objetiva do risco de crédito. No Reino Unido, a pontuação de crédito (credit score) está ao acesso de todos.
Além disso, cada pessoa sabe quais os fatores que influenciam o seu score e tem acesso a conhecimento de como melhorar a sua classificação para influenciar a atribuição de crédito. E esta questão está intimamente ligada a melhores condições de financiamento.
Este sistema promove a transparência e, principalmente, induz a consciência e literacia financeira, reduzindo o risco de discriminação, uma vez que elimina juízos subjetivos na decisão de crédito. Em Portugal, onde ainda é comum uma avaliação mais qualitativa e relacional do cliente, o uso de um modelo de scoring poderia trazer maior justiça e previsibilidade ao processo.
2. Rapidez e eficiência na decisão
Outro grande benefício do modelo de scoring é a rapidez com que as decisões de crédito podem ser tomadas. No Reino Unido, muitas instituições financeiras têm capacidade de aprovar ou rejeitar pedidos de crédito em questão de minutos, graças à utilização de um score standardizado.
Em Portugal, o processo de análise é, em muitos casos, mais demorado, pois depende da consulta a diferentes fontes de informação e da análise de um conjunto mais complexo de documentos. Ao adotar um modelo de scoring , poderíamos acelerar significativamente a decisão de crédito, beneficiando tanto as instituições financeiras, com um processo mais ágil, quanto os clientes, que obtêm resposta mais rapidamente.
3. Inclusão financeira e acesso ao crédito
No modelo britânico, o scoring é uma ferramenta de inclusão financeira. Com este modelo, pessoas que não tenham um histórico bancário robusto, mas que mantenham um comportamento financeiro responsável conseguem aceder ao crédito.
O scoring considera dados variados — como histórico de pagamentos, utilização de crédito e comportamento financeiro geral — permitindo que um perfil de risco seja estabelecido mesmo para quem tem pouca ou nenhuma experiência bancária. Em Portugal, onde muitas vezes são exigidas garantias e rendimentos mais elevados, este modelo poderia abrir portas para milhares de pessoas com menor acesso ao crédito, mas que são financeiramente responsáveis.
4. Incentivo ao comportamento financeiro responsável
Um ponto crucial do sistema de scoring é o incentivo que cria para comportamentos financeiros saudáveis. No Reino Unido, os consumidores sabem que pagar contas a tempo, manter níveis de endividamento controlados e evitar incumprimentos são comportamentos premiados porque influenciam diretamente o seu score de crédito. Isso gera uma cultura de responsabilidade financeira entre a população, algo que, em Portugal, ainda não está tão enraizado. Adotar um sistema de scoring poderia ajudar a promover uma maior literacia financeira e incentivar os consumidores a adotar hábitos que, além de melhorar as suas pontuações, fortaleceriam o seu bem-estar financeiro.
5. Flexibilidade e personalização das condições de crédito com score
O sistema de scoring permite uma análise mais detalhada dos perfis de risco, possibilitando às instituições financeiras a oferta de condições de crédito ajustadas a cada perfil de cliente. No modelo britânico, é comum que as taxas de juro e as condições de crédito variem conforme a pontuação do cliente, ou seja: mais scoring, melhores taxas.
Para quem tem um bom score, as condições podem ser bastante competitivas, enquanto que quem tem um score mais baixo recebe ofertas menos competitivas ou até recusas, mas com clareza sobre os motivos. Em Portugal, onde a análise é mais uniforme e generalizada, implementar um sistema de scoring permitiria um nível maior de personalização e, em última instância, uma oferta mais justa.
6. Redução do risco de crédito para as instituições financeiras
Para as instituições financeiras, o modelo de scoring representa uma ferramenta robusta de gestão de risco. Ao usar os dados históricos e de algoritmos preditivos, este sistema permite uma avaliação mais precisa do risco associado a cada cliente, o que pode ajudar a reduzir a taxa de incumprimento.
No Reino Unido, este modelo tem demonstrado ser eficaz em mitigar riscos, o que torna o crédito mais acessível e sustentável para as instituições financeiras e, por extensão, para os consumidores, que são os beneficiários do crédito.
Uma oportunidade para modernizar o crédito em Portugal
Adotar o modelo de scoring em Portugal traria benefícios, tanto para os consumidores como para as instituições financeiras. Para os clientes, permitiria um acesso ao crédito mais transparente, rápido, inclusivo, com incentivos claros para comportamentos financeiros responsáveis. Para as instituições, representaria uma forma mais eficaz de avaliar o risco, personalizar ofertas e reduzir taxas de incumprimento.
Acredito que um sistema de crédito justo e eficiente é essencial para o desenvolvimento financeiro e social do país. Implementar o scoring é um passo importante nessa direção, pois permite que o setor financeiro português se modernize e se alinhe com boas práticas internacionais. Se Portugal abraçar este modelo, estará a criar as condições para um sistema de crédito mais inclusivo, transparente e eficiente, um objetivo que deve estar na agenda de qualquer instituição comprometida com o bem-estar financeiro dos seus clientes.
Licenciada em Direito pela Universidade Lusíada de Lisboa e com um mestrado em Direito Europeu, que concluiu na Universidad Complutense de Madrid, Iolanda Gonçalves tem cerca de 20 anos de experiência na área da banca, tanto em Portugal como no estrangeiro, nomeadamente em Bruxelas, Madrid e Londres. Em 2024 juntou-se ao Doutor Finanças enquanto Administradora de Crédito ao Consumo.
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