O Banco Central Europeu (BCE) desceu os juros pela quarta vez em 2024, colocando a taxa dos depósitos nos 3%, já um ponto percentual (100 pontos base) abaixo do máximo histórico de 4%. Contudo, o banco central não estará ainda nem a meio caminho do ciclo de alívio de política monetária que vai beneficiar quem tem créditos e penalizar a rendibilidade das poupanças de baixo risco.
Os sinais já evidentes de que o BCE teria de continuar a baixar os juros no próximo ano foram reforçados após a reunião de 12 de dezembro. Apesar de ter optado por uma descida mais suave (25 pontos base) do que era reclamado por alguns economistas e governadores (50 pontos base), o BCE efetuou uma alteração significativa na sua comunicação, que foi interpretada pelo mercado como uma maior disponibilidade para baixar juros.
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BCE deixa cair a política restritiva
Mais do que as novas palavras utilizadas, são as que foram removidas do comunicado que merecem destaque. O BCE deixou de indicar que pretende manter a política monetária num nível restritivo pelo tempo que for necessário para garantir que a inflação se encaminha para o objetivo dos 2%. Fazendo a “tradução”, o BCE já está a admitir que pode baixar os juros para um nível neutral, ou seja, que não represente uma restrição nem um estímulo à atividade económica.
E onde se situa este nível neutral? Não existe uma fórmula matemática para o calcular, o BCE recusa indicar um valor preciso, mas existe a perceção no mercado de que estará em redor dos 2%, que também é a meta do BCE (e muitos outros bancos centrais) para a inflação. Vários economistas argumentam que a escalada da inflação pós pandemia deslocou este nível neutral para um patamar superior, mas com pouca amplitude.
Tendo em conta estes sinais do BCE e descartando inversões abruptas na trajetória da inflação e da atividade económica da Zona Euro, é altamente expetável que as taxas de juro continuem a baixar a um ritmo de 25 pontos base por reunião até que seja atingida a fasquia dos 2%. Para tal serão necessários quatro cortes até à reunião de 5 de junho de 2025, tantas como as que foram efetuadas até agora.
E depois de neutral?
25 pontos base acima ou abaixo, esta trajetória de descida de juros até uma taxa neutral parece atualmente consensual entre investidores, economistas e a maioria dos membros do Conselho do BCE (órgão do banco central responsável pela condução da política monetária). A trajetória posterior gera maiores divisões, até porque existe ainda uma elevada incerteza sobre a evolução da atividade económica.
As atuais expetativas para a economia da Zona Euro são bastante sombrias. Os indicadores avançados continuam a apontar para uma evolução débil da atividade económica e existe instabilidade política nas duas maiores economias. Mas mais importante do que as ações dos governos que vão estar em Paris e Berlim no próximo ano, a economia europeia será influenciada sobretudo pelas decisões que vão ser adotadas em Washington.
Donald Trump pretende implementar tarifas universais de 10% sobre todos os produtos importados para os Estados Unidos, o que ameaça fragilizar ainda mais a economia europeia. Se a guerra comercial a nível global for mesmo uma realidade, a Zona Euro vai registar em 2025 o terceiro ano consecutivo de crescimentos magros. O PIB dos países que partilham a moeda única aumentou 0,4% em 2023 e, de acordo com as novas estimativas publicadas na semana passada pelo BCE, vai crescer apenas 0,7% este ano e 1,1% em 2025.
Apesar da revisão em baixa, muitos economistas consideram estas previsões otimistas, o que acentua a necessidade de o BCE ser mais agressivo no alívio da política monetária. Um dia depois da reunião do BCE, o Bundesbank traçou um cenário bem mais pessimista, apontando para um crescimento de apenas 0,1% no PIB da Alemanha em 2025 e alertando para uma possível recessão num cenário de guerra comercial.
Apesar de a inflação da Zona Euro estar ainda acima dos 2% e ter evoluído em alta nos últimos dois meses, estas perspetivas mais sombrias para a atividade económica fazem antever uma diminuição da procura que exerça uma pressão descendente no ritmo de subida dos preços dos bens e serviços. Em linha com esta narrativa, o BCE também reviu em baixa as projeções para a inflação da Zona Euro, estimando 2,1% em 2025 e 1,9% em 2026.
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Prestações baixam e poupanças rendem menos
Estas estimativas validam que o BCE está mais tranquilo com a evolução da inflação e tem por isso margem para responder ao abrandamento da economia com descidas mais agressivas de juros. Boas notícias para quem tem crédito à habitação e para outros fins, mas um desenvolvimento desfavorável para quem tem as poupanças aplicadas em produtos de baixo risco e indexadas ao nível das taxas de juro.
Prestações do crédito descem
As taxas Euribor são a referência para os custos dos empréstimos e o retorno destes produtos de poupança, sendo que a evolução descendente que se tem verificado nos últimos meses deverá prolongar-se em 2025. A taxa a seis meses, que é a mais utilizada nos créditos à habitação em Portugal, baixou para 2,6%, o valor mais baixo desde o final de 2022. O indexante a 3 meses desceu para 2,8% e no prazo a 12 meses já está abaixo de 2,5%.
Estas taxas registaram quedas diárias muito significativas no dia posterior à reunião do BCE (indexante a 3 meses baixou mais de 4 pontos base a 13 de dezembro), validando que o mercado está a ajustar em baixa as perspetivas para o nível dos juros. Caso a autoridade monetária prossiga com a redução rumo à taxa neutral em redor de 2%, a margem é considerável para descidas adicionais nas taxas Euribor nos próximos meses.
As famílias vão continuar a beneficiar com reduções das suas prestações no crédito à habitação, que atingiram um pico em meados do ano passado. O que em conjunto com a tendência descendente da inflação, representa um alívio substancial no rendimento disponível. Uma tendência que já é evidente em 2024 e pode acentuar-se no próximo ano. A taxa de juro média das novas operações de crédito à habitação diminuiu em outubro pelo 12.º mês consecutivo para 3,39%.
Poupanças rendem pouco
Para as famílias com poupanças aplicadas em produtos de baixo risco, como depósitos a prazo e certificados de aforro, as perspetivas são desfavoráveis. Os bancos já começaram a reduzir de forma acentuada a remuneração, que diminuiu em outubro pelo 10.º mês consecutivo para 2,39% (valor médio). Se o BCE confirmar a redução dos juros para um nível neutral, a taxa média dos depósitos bancários em Portugal deverá baixar da fasquia dos 2% em 2025.
No caso dos certificados de aforro, também é provável que a remuneração não demore muito tempo a quebrar em baixa o teto máximo de 2,5%. A taxa destes produtos de poupança do Estado é calculada com base na média da Euribor a 3 meses dos últimos dez dias de cada mês. Desde que o governo alterou as regras em 2023, a remuneração tem estado no limite máximo de 2,5%.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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