Consegue-se enfiar num tabuleiro os temas da economia, da indústria, da política? Perguntem ao designer de jogos português Vital Lacerda e ele dirá que sim. E com inteira razão – e jogabilidade –, como comprova a alta classificação de Lisboa (2017) no conceituado site BGG dedicado aos amantes desse passatempo.
Cidade arrasada, plano ousado
A história de fundo é bem conhecida, mas, ainda assim, não perdeu nada do seu interesse. Conseguimos realmente imaginar o que foi aquele primeiro de novembro, dia de Todos-os-Santos, em que Lisboa estremeceu com um abalo sísmico de grande magnitude, seguido de um tsunami e três dias de incêndios espalhados pela cidade inteira? Quem nos abre as portas desta cidade arrasada é o próprio Marquês de Pombal, o primeiro-ministro da época, mas ele não tem tempo para lamúrias. Ele quer-nos ali, no tabuleiro, para nos meter nas obras.
A introdução a Lisboa conta-nos como cerca de um mês após a catástrofe já estava em cima da mesa um plano para reerguer a capital do Reino. Ao que parece, o engenheiro-chefe Manuel da Maia considerou a hipótese de abandonar de vez a cidade arruinada, mas o Marquês optaria pelo plano ousado de demolir o que restava de uma parte da metrópole para poder criar, a partir do zero e sem quaisquer restrições, novos arruamentos. Em menos de um ano, a cidade estava limpa do entulho e, de acordo com os desejos do rei D. José, começava a traçar-se uma capital ordenada, retilínea, cheia de grandes praças, enormes avenidas, ruas largas. Nascia assim a Baixa lisboeta.
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Colocar a peruca de nobre influente
Ah, mas isto é assim nos livros de história, que tratam do passado. Num jogo de tabuleiro, há muito trabalhinho pela frente. Aos jogadores pede-se que assumam o papel de nobres influentes que, tendo sobrevivido à hecatombe, pretendem dar o seu contributo ao esforço de reconstrução e ao desenvolvimento económico do burgo. De graça? Por serem apenas boas pessoas? Bem, nem tanto, também esperam receber mercês do Rei e do Marquês e, com isso, ficarem ainda mais influentes e ricos.
Uma partida dura o espaço de 22 anos e, diga-se, Lisboa é um jogo complexo (acima dos 4,5 na escala de complexidade do site BGG, que vai de 1 a 5…). Complexo e fascinante, por nos mergulhar na história e ajudar a perceber as mecânicas da sociedade de então. O design artístico baseado nos azulejos portugueses, os pontos de vitória contabilizados como perucas (que era "a cena" da altura), o tabuleiro a simular a Baixa lisboeta, tudo contribui para nos embrenhar na atmosfera do século XVIII. E, logo a começar, simula-se o resultado do terremoto.
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Lidar com reis, cardeais, marqueses…
Perante tantos cubinhos vermelhos (fogo), azuis (tsunami) e castanho-claro (tremor de terra) a simular a destruição, o melhor é arregaçar as mangas. Trabalha-se nos gabinetes do Marquês, do construtor real, e até de el-rei. Será preciso limpar os escombros, construir lojas que produzam bens ou navios que transportem mercadorias (e assim fomentar a economia), adquirir plantas de edifícios públicos que estão por erguer (o que certamente agradará a D. José), contratar funcionários do Estado, garantir subsídios do Tesouro, patrocinar eventos, transacionar produtos como ouro, livros, ferramentas ou tecidos num mercado com preços oscilantes. Ou então, quando as moedas de réis escasseiam, tentar ir pela via alternativa, obtendo favores junto dos mais poderosos; um beija-mão ao cardeal, umas reuniões com os clérigos, são coisas que podem resultar em poderes especiais.
O manual de regras vem acompanhado de várias descrições sobre as personalidades da época. Hum. E que tal convencer o Marquês a assinar um decreto que no final do jogo nos agraciará com mais umas quantas perucas? Afinal, não é segredo nenhum que era ele quem mexia os cordelinhos…
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